Estudos revelam que o público feminino enfrentou com o novo coronavirus desafios mais abrangentes do que os homens, passando por sobrecarga de trabalho doméstico, violência dentro de casa, menores oportunidades de emprego e maior grau de vulnerabilidade econômica.

O resultado de pesquisas de gênero não é novidade, infelizmente. As mulheres já lidavam com todos esses problemas antes da pandemia, sendo inclusive assunto de debate público na mídia. Apesar da informação ser propagada, pouco mudou em suas rotinas. Em muitos casos, piorou.

Parte das complicações se justifica com a chamada jornada dupla: a mulher contemporânea trabalha dentro e fora de casa, cuidando dos afazeres do lar, do planejamento semanal ou mensal, do cuidado com os filhos ou demais membros da família. Nem sempre ela pode contar com uma rede de apoio e de maneira geral, vive sem ajuda de seus companheiros e outras pessoas próximas. E sem remuneração alguma dos pormenores, mesmo que sejam uma força-tarefa.

A recente pesquisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia” da Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista mostra que a grande maioria das mulheres estão sempre cuidando de alguém, mas nunca são cuidadas. Idosos, filhos, crianças de conhecidos, pessoas com deficiência e adultos saudáveis e sem deficiência estão entre os grupos sob tutela de alguma mulher.

O cuidado visto de maneira afetiva não fica atrelado ao valor do trabalho, mesmo que envolva horas de dedicação ao bem-estar do outro. No estudo, realizado em ambiente urbano e rural, consta que 54% das mulheres cuidadoras são negras e 42% das entrevistadas não têm nenhum apoio externo no encargo.

Ser mulher não é apenas um gênero, é uma função e em boa parte dos casos, multitarefa. 

O número de mães solo, ou seja, mulheres chefes de família que criam os filhos sozinhas, ultrapassa 11 milhões. Para elas, o fardo de ser mulher é ainda maior, visto que raramente possuem ajuda de terceiros em quaisquer esferas da rotina. Quem tem algum parente próximo auxiliando, geralmente contando com pessoas mais velhas, sofreu da mesma forma com a pandemia devido ao distanciamento social.

Um estudo recente da ONG Care International, feito em 38 países com homens e mulheres, revela que houve desvantagem feminina. Cerca de 55% delas ficaram sem emprego, prejudicando a independência financeira e consequentemente a comida à mesa. O número de mulheres relatando que não possuem alimentos suficientes chegou a 41%.

“Seis meses atrás, alertamos que a crise global de saúde apenas aumentaria a lacuna de gênero e regrediria décadas de progresso na saúde, nutrição e estabilidade econômica das mulheres. E, agora, nosso alarme está tocando mais alto do que nunca”, alertou Emily Janoch, uma das autoras do relatório.

Além disso, o público feminino é maioritário no teletrabalho e no mercado informal, enfrenta um maior risco de perder o emprego (especialmente quando são/se tornam mães), e de redução salarial.

Em perigo dentro de casa

Fora as questões domésticas, existe ainda um dado alarmante: o aumento de violência dentro de casa. Uma parcela delas, inserida em relacionamentos tóxicos e abusivos, não está segura nem dentro do próprio lar.

O confinamento e maior convívio com parceiros problemáticos resultou no aumento de registros de violência doméstica em 35% no disk 180, número destinado à denúncias, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no mês de abril de 2020. E há mais dados que confirmam a urgência da situação:

  • A ONU estima que uma a cada três mulheres sofre de violência física ou sexual;
  • A taxa de feminicídio no Brasil é 74% superior em relação à média mundial;
  • Feminicídios quintuplicaram no Mato Grosso e quadruplicaram no Acre;
  • São Paulo registrou 44% de aumento em crimes de feminicídio, além de crescimento de 51% de prisões em flagrante e 29% de pedidos de proteção de urgência;
  • Aumento de 50% nos boletins de ocorrência relatando violência doméstica no Rio de Janeiro;

É preciso estar ciente, ainda, de que existe uma subnotificação nos números, visto que nem todas fazem denúncias diante do sofrimento por medo de retaliação ou ameaças. Ou seja, faz anos que as mulheres estão expostas a uma epidemia da qual, aparentemente, não há resolução.

Sobrecarga mental

O chamado “trabalho emocional” é mais um desafio a ser superado pela ala feminina. Conforme mencionado acima, o papel subjetivo da mulher como gestora é invisível de variadas formas, incluindo o fato de que é ela a responsável por coordenar e organizar a dinâmica familiar, gerenciando casa, pessoas e cotidiano em conjunto.

O termo surgiu em meados dos anos 1980 atrelado ao ambiente corporativo, pautado pela harmonia e equilíbrio emocional no local de trabalho, algo que hoje poderíamos considerar dentro do termo “inteligência emocional”, ou seja, a boa administração das emoções.

Mas o tal “trabalho emocional” logo caiu no colo do público feminino por conta dos pequenos grandes afazeres extras do dia, seja em contexto familiar, conjugal ou profissional. A sobrecarga mental é um dos sintomas dessa dinâmica, afinal, quem aguenta dar conta de tudo 24 horas por dia?

O aumento dos índices de estresse, ansiedade, depressão, insônia, perda de apetite e baixa autoestima do período pandêmico colocam a saúde mental das mulheres ainda mais em risco, chegando a um ponto de exaustão que se distingue em recortes de classe social e cor. Mas a conta chega para todas, sendo que uma parte delas não pode ter seus transtornos tratados, afetando diretamente na qualidade de vida e no bem estar.

Nas empresas, houve aumento de doenças psiquiátricas nos registros, sendo 37% dentro do Brasil. Conforme estudo do Ipsos em países do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), medo, estresse e sensação de desamparo estão entre as principais queixas. Ao todo, 59% das entrevistadas disseram estar com ansiedade, depressão e esgotamento.

O que fazer para ajudar?

Alguns países criaram métodos específicos para auxiliarem as mulheres no período desgastante da pandemia de Covid-19. Na Europa, 93% dos países haviam tomado pelo menos uma medida de apoio.

A França pagou quartos de hotéis para vítimas desabrigadas e investiu em organizações que combatem a violência de gênero. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) do Brasil criou um grupo de enfrentamento à violência doméstica, expandiu a rede de atendimento online e ampliou campanhas de conscientização.

De maneira geral, há algumas coisas que as mulheres precisam — pra ontem:

  • uma rede de apoio consciente, que considere todas as suas demandas de trabalho, formal e informal;
  • incentivo às denúncias de abuso e violência doméstica, além de acolhimento e atendimento jurídico para as vítimas;
  • fortalecimento de programas de saúde mental com auxílio psicológico e terapêutico;
  • criação de programas específicos para formar lideranças femininas e investimento em bolsas de estudo em prol da inclusão nas empresas;
  • incentivo à divisão de tarefas em casa;
  • oferecer tempo para atividades de lazer, hobbies e práticas de exercícios físicos;

 

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