“Diversidade, equidade e inclusão não é assistência social, cesta básica e doações. É algo financeiro, alinhado ao capitalismo”, disse uma das painelistas.
“O que é gênero? Podemos definir como o sexo biológico ou sobre o que é ser homem ou mulher. Mas quando aprofundamos, podemos olhar o gênero fora do olhar do binário, de uma forma complexa e interseccional”, disse Giowana Cambrone, Consultora de Diversidade na YDUQS no painel “Importância da Diversidade de Gênero para Geração de Valor”, que ocorreu no Auditório Alelo, no terceiro e último dia do CONARH 2024.
Durante sua fala, Giowana falou que não existe uma só forma de ser homem ou mulher no mundo, e que essa intersecção pode gerar diferentes dados. Ela exemplificou:
“Eu sou uma mulher trans. Onde eu me encaixo? A maioria das mulheres trans, sobrevive a partir da prostituição. Cerca de 90% estão nesse universo e pouquíssimas possuem lugares na sociedade. Podemos olhar esses dados como algo compulsório, porque não existe abertura na sociedade para que pessoas trans ocupem espaços no mercado, em cargos de liderança ou fora das ruas, de subempregos e dos salões”, disse a Consultora de Diversidade na YDUQS.
Ana Minuto, Fundadora e CEO da Minuto Consultoria apresentou números de quantas mulheres e homens trabalham, a porcentagem de mulheres que cuidam da casa e da família e a falta de dados sobre homens que também realizam essas atividades.
“Quantas vezes no mundo corporativo, em dinâmicas, as mulheres são colocadas para escrever, porque têm letras mais bonitas, organizar atas, porque são mais organizadas e apresentam, porque falam melhor, enquanto os homens ‘dão os comandos’ e só observam, mas no final levam o crédito pelo trabalho delas, porque elas ficaram no operacional e eles no estratégico?”, disse Ana.
Guilherme Nascimento, Fundador do Papo de Homem e Diretor de Pesquisa no Instituto PHD, afirmou que a maioria dos homens não sabe como é ser o cuidador primário e que muitos nunca nem ouviram falar sobre esse conceito. “Quantos homens sabem quantas peças de roupa o filho tem? Quantas roupas usam por semana? Quantos sabem o histórico médico dos filhos?”, indagou.
Ele complementou dizendo que como dentro da empresa e dentro de casa, homens podem tomar iniciativas para mudar essa realidade. “Não adianta falar sobre equidade na empresa e chegar em casa e se comportar como um homem dos anos 50, que enxerga a mulher como uma pessoa a serviço dele. É preciso ações concretas para lidar com isso”.
Giowana disse que essa discussão é interessante para questionarmos o papel de gênero, em que as mulheres precisam cuidar da casa, da família e das coisas práticas para que o homem possa sair e conquistar o mundo. “De que maneira as organizações podem disseminar uma cultura de que o cuidador (a mulher), seja acolhida, não seja questionada (como quando precisam faltar para cuidar do filho doente). Porque o homem casado e com filho é visto como alguém de valor e responsável e a mulher casada e com filho é vista como uma profissional menos confiável e que pode se ausentar devido a problemas com doença e imprevisto com as crianças?”. Ela ainda disse que precisamos desenvolver ações concretas que coloquem o homem nesse papel de cuidado e responsabilidade com as crianças.
Guilherme complementou falando que é preciso entender que não é só (questão de) gênero, porque no exemplo de mulheres, há poucas mulheres líderes. “A maioria é branca, cis e hétero, menos ainda são pretas e um número quase ínfimo se encaixa em grupos minoritários e diversos.”
E tudo isso pode afetar a saúde mental. “Uma pesquisa que fizemos com algumas empresas demonstrou que, uma mãe, solo, periférica, possui questões de saúde mental muito diferentes do que um pai, branco, de classe média e que não é o cuidador principal”, afirmou Guilherme.
Ele falou também: “Quando vamos pesquisar é importantíssimo considerarmos marcadores interseccionais. É preciso falar e tratar diversidade, em conjunto com saúde mental, porque essas duas pautas são inseparáveis, e as empresas precisam considerar esses marcadores, porque diversidade e inclusão não são apenas inserir pessoas de diferentes contexto na instituição, mas trabalhar para que elas recebam cuidados e ferramentas personalizados, assim como oportunidades e flexibilidade para que consigam adaptar a vida profissional às suas realidades”.
“Diversidade, equidade e inclusão não é assistência social, cesta básica e doações. É algo financeiro, alinhado ao capitalismo. E isso é um pensamento muito intrínseco no Brasil. Diversidade é um processo que agrega valor à marca empregadora, que gera dados, que exige a reestruturação das empresas”, disse Ana Minuto.
Ela completa dizendo que saúde mental e terapia não são uma pauta. “Existe a necessidade das empresas falarem sobre esses temas, entendendo que somos seres relacionais e precisamos falar sobre isso e cuidar da saúde mental e emocional para entender o quanto elas impactam nas entregas do dia a dia. Em muitos casos, uma pessoa preta em cargo de liderança é a primeira da família a ocupar esse espaço. Então ela não tem exemplos ou uma rede familiar que realmente entenda os problemas que ela tem. Pessoas pretas são ‘programadas’ e cobradas para trabalhar mais, entregar mais, porque culturalmente elas já iniciam a jornada no mercado de trabalho atrás de pessoas brancas.”
“É importante construirmos uma narrativa onde a diversidade seja vista de forma estratégica dentro do negócio, entendendo que colaboradores, clientes e alunos sejam peça chave para maximizar a diversidade e desenvolver ações concretas sobre esse tema”, falou Giowana.
Por fim, Guilherme exemplificou sobre o papel da liderança. “A Amazon oferece licença- paternidade, mas muitos homens não tiravam porque tinham medo de perder o emprego, prejudicarem-se e também temiam a responsabilidade com o filho recém-nascido, porque normalmente esse ‘é o papel da mulher’ e os homens se isentam de grande parte das tarefas. Mas a partir do momento que o Daniel, CEO da Amazon Brasil, tirou a licença- paternidade de seis semanas que a empresa oferece, os profissionais entenderam a importância de, além de auxiliar nos primeiros meses do bebê, sentir a responsabilidade social que o homem precisa ter no cuidado familiar.”
“Nossa empresa trabalha com desenvolvimento de homens com um olhar para a diversidade, mas adivinhem quantas vezes um homem, cis e hétero, entra em contato com a gente? Em todos esses anos, aconteceu uma vez. Em todas as outras, essa foi uma iniciativa das mulheres. Precisamos parar de falar só sobre gênero e trabalhar mais a interseccionalidade, porque essa discussão vai muito além disso”, finalizou Guilherme.