“Meu diagnóstico de autismo veio tardiamente, depois de adulta, após anos realizando tratamento para transtorno bipolar.

Durante esse tempo de tratamento eu sempre questionei a legitimidade do diagnóstico porque não me sentia realmente contemplada dentro das características. Por falta de ter acesso a profissionais que pudessem reconhecer de forma aprofundada o transtorno do espectro autista, fiquei subdiagnosticada.

Em meados de 2017 eu comecei a ter sintomas de burnout por conta do ambiente de trabalho e isso me fez intensificar a busca por ajuda. Nesse momento, eu tive que tirar uma longa licença para minha recuperação porque eu estava sofrendo muito, desde crises de pânico, agorafobia, ansiedade generalizada, síndrome do intestino irritável, anorexia nervosa e depressão.  

Apesar de tudo, ali começou a oportunidade de buscar autoconhecimento e entender quais eram os gatilhos que comprometiam a minha saúde mental e minha qualidade de vida.

Diagnóstico tardio: por que é importante buscar ajuda

Após um tempo morando fora, eu retornei ao Brasil para ter minha filha, e voltei a morar na minha cidade Natal. A maternidade me trouxe grandes desafios que foram se acentuando conforme minha filha ia crescendo.

Quando a pandemia iniciou, novamente voltei a ter crises de ansiedade muito fortes, cheguei a retirar a vesícula, e buscar mais e mais informações. E foi buscando ajudar meu irmão, que tem suspeita de autismo e TDAH, que eu comecei a ter dúvidas sobre se não teria o mesmo tipo de transtorno.

Então comecei uma extensa avaliação com uma neuropsicóloga durante 3 meses, quando finalmente eu tive meu diagnóstico como Autista nível de suporte 2.

O processo como um todo, além de libertador, me trouxe mais serenidade para viver minha vida. Pois através do autoconhecimento, eu pude entender toda a minha história e como agir para prevenir crises.

Por isso, o meu diagnóstico literalmente me salvou e me trouxe qualidade de vida.

O autismo e a vida profissional

Ser autista, além de trazer uma das minhas principais qualidades, que é o pensamento divergente, e pelo fato de trabalhar com inovação e ter hiperfoco nesse assunto, contribuiu em muito para meu crescimento profissional, mesmo que sem querer.

Todavia, posso dizer que minha vida foi bastante sofrida pela falta de clareza sobre o porquê de eu ter os problemas. Por que eu era tão diferente das demais pessoas, por que me sentia tão sozinha e desconectada?

Eu tenho algumas comorbidades como Urticária com dermografismo, ansiedade generalizada, síndrome do intestino irritável e outros tipos de alergia que fazem com que, devido ao stress trazido pelo autismo, eu fique com problemas de saúde.

Do autismo em si, eu sofro pelas questões sensoriais como a fotosenssibilidade – uma sensibilidade à luz solar e a espaços muito iluminados e com muita informação visual – que faz com que eu tenha crises juntamente com a hipersensibilidade a sons e ruídos.

Quando em excesso, esses fatores podem me desregular sensorialmente e gerar crises. Na maior parte das vezes essas crises se manifestam em forma de um esgotamento da minha bateria, me dando a sensação de uma gripe forte, com dores no corpo, musculatura travada, dores na cabeça e no rosto.

Autismo e o capacitismo

Todas as pessoas que são PcDs e, especialmente aquelas que tem algum transtorno de ordem invisível, são sempre passíveis de sofrer capacitismo porque as dificuldades muitas vezes não são visuais, nesse último caso.

Eu mesma já sofri diversas vezes, vinda de diversas pessoas e formas. Mas basicamente, por ser uma pessoa com algumas inteligências, ter conseguido progredir de alguma forma na vida, concluir faculdade e mestrado, ter uma aparência que não indica nenhum tipo de deficiência, e resumindo, não ter cara de autismo.

Sou constantemente questionada se realmente sou autista e principalmente, “de que todas as pessoas tem suas dificuldades”.

De fato isso é verdade, mas essas dificuldades colocam sua vida em risco? Trazem um sofrimento exagerado a ponto de você preferir não existir por se sentir um erro de rota, um alienígena que veio parar por engano na Terra?

Se sim, então tudo bem. Mas eu acredito que não. Não consigo acreditar que todas as pessoas tenham que viver dessa forma.

Como o trabalho remoto pode ajudar na inclusão social

Cada autista tem características diferentes, necessidades diferentes e comorbidades diferentes, então cada caso é um caso. Mas se tratando de pessoas com um perfil parecido com o meu, posso dizer que o trabalho remoto é um modelo muito inclusivo e que permite que eu tenha mais qualidade de vida.

O deslocamento para o trabalho em São Paulo para mim era horrível. Eu procrastinava desde a saída de casa ao retorno. O trânsito imprevisível, a superlotação de pessoas no trajeto ou para simplesmente almoçar, os odores do rio Pinheiros, a pressão por interagir de uma forma mais socialmente aceita, o excesso de pessoas, barulho, poluição visual, traziam para mim todos os dias, crises de ansiedade, e às vezes pânico com sintomas psicossomáticos, que ao final de um tempo me levavam a um desânimo profundo.

Então, apesar das perdas sociais, o trabalho remoto ajuda a nos dar qualidade de vida. Além disso, programas como o TODES*, que incentivam e apoiam a gente ser do jeito que a gente é, traz não só segurança psicológica como também espaço para que a gente seja mais livre, com espaço de fala e para exigir respeito.

Muitas vezes o preconceito é velado, mas ele é sentido por nós. Então aqui isso não existe, ou não é tolerado.

Outro aspecto positivo do home office é a questão do foco. No meu caso eu consigo ser muito mais produtiva porque consigo me concentrar muito melhor. O lado ruim é o excesso de reuniões online. Algo que com o amadurecimento das pessoas, acredito que iremos chegar a um equilíbrio num futuro breve.

Ações que contribuem para a neurodiversidade no mercado de trabalho

Para muitos autistas a barreira para o mercado de trabalho já acontece na entrevista, porque o que para muitos é considerado uma boa postura, boa prática, etiqueta, para nós é um desafio impossível de ser transponível.

Isso já deixa muitos de nós em desvantagem pelo fato de que tais qualidades, quando podem ser copiadas, geram um custo muito alto para a saúde mental do autista.

Toda “mentira” para ser mantida gasta uma energia tremenda e ter que deixar quem você é de lado para desempenhar um papel neurotípico, com certeza se enquadra bem nesse sentido.

Processo seletivo

Acredito que um processo seletivo mais humanizado, com foco nas qualidades e não nas deficiências pode ser uma nova forma de incluir autistas nas empresas de forma horizontal e vertical.

Por que o normal tem que ser o neurotípico?

Dresscode

Algo que já evoluímos muito é em relação ao dresscode. Eu tenho hipersensibilidade sensorial e não me sinto bem, a ponto de doer e machucar dependendo do tipo de roupa que eu preciso usar. No meu armário hoje eu não uso nada que seja pelo menos 1 número maior que o meu, de fibras naturais para evitar alergia, e zero salto alto. O home office também ajuda nisso.

Rotina de trabalho

Já no que tange à rotina de trabalho, eu acredito muito que no futuro, nós todos, típicos e atípicos, vamos conseguir entender que qualidade de vida é algo que precisa ser construído, e passa pela jornada de trabalho.

Mas até lá, tanto para mim que sou autista e mãe, a redução de reuniões me ajuda tanto do ponto de vista sensorial, quanto tempo para que eu possa me sentir integrada dentro dos momentos importantes, já que em determinados horários eu estou levando ou buscando minha filha da escola.

Ainda pode parecer pouco e ter pouca adesão, mas o dia de foco* traz uma leveza tão grande na semana de trabalho, porque não só conseguimos encaixar um pouco de autocuidado pelo expediente reduzido, como poder ter foco nas entregas e cursos, e na descompressão de uma semana tão intensa com excesso de contato social.

Eu e Alelo, Alelo e eu

A minha história com a Alelo se iniciou há cerca de um ano atrás, quando eu ainda estava passando pela revisão de diagnóstico, mas que veio muito bem à calhar porque eu estava procurando ter um recomeço comigo mesma.

Buscava encontrar um espaço onde, tanto a cultura quanto as pessoas, me respeitassem por eu ser quem eu sou, seja como autista, seja apenas como Mariana.

Foi meu primeiro contrato 100% remoto, real e oficial. No começo achei que teria dificuldade de estabelecer vínculos, mas meus gestores e equipe de Gente e Transformação (RH), sempre fizeram um trabalho muito importante de construção de time e de suporte aos seus profissionais para que essa modalidade funcionasse e a gente pudesse se sentir parte dela.

Em menos de 1 ano de casa eu já recebi dois reconhecimentos e estou vivendo os melhores meses da minha vida. Pela primeira vez, eu realmente posso dizer que sou feliz.

Busque informação sobre autismo

Cada vez mais o assunto sobre autismo vem ganhando espaço, e é importante discutirmos. Por isso eu faço questão de usar a minha corrente de girassóis para que as pessoas saibam que eu não sou invisível.

O autismo em diferentes níveis de suporte

Eu amei a série Sul Coreana, Uma Advogada Extraordinária na Netflix. Obviamente que ela representa de forma estereotipada porque muitas vezes um autista não terá tantas qualidades ou dificuldades porque o transtorno é um espectro, mas de certa forma ela representa parte de muitos de nós.

Vale a pena assistir porque é um drama que aborda o autismo na Coréia do Sul, em diferentes tipos de níveis suporte.

O diagnóstico em mulheres é normalmente tardio porque a comunidade médica falha em compreender as especificidades das mulheres autistas, por isso eu recomendo fortemente que se você suspeita de autismo, pesquise e converse com pessoas autistas.

Quebrando paradigmas sobre o que é autismo

Você verá que o autismo vai muito além do nosso imaginário. Nesse sentido, recomendo o canal em inglês Yo Samdy Sam, uma autista mulher, tardiamente diagnosticada e que traz muito conteúdo interessante como qual a gente consegue se identificar e finalmente saber: eu não estou sozinha!

O que as empresas podem fazer pela inclusão e diversidade

O ambiente de trabalho pode ter algumas adaptações, de acordo com as necessidade individuais para cada autista, passando por:

  • o tipo de iluminação e reverberação de sons;
  • espaços para alimentação;
  • horário de trabalho flexível para poder apoiar o autista em suas terapias, e para que ele possa se deslocar em horários menos estressantes.

É fundamental que as pessoas em posição de gestão estudem o tema para poderem compreender melhor a mente e os comportamentos do autista, que muitas vezes podem ser mal interpretados.

Mas há muito com o que podemos contribuir e com certeza nós também temos capacidade de nos adaptar e chegar a um comum acordo que seja bom para todos.

Afinal, para sermos incluídos precisamos estar abertos para ser inclusivos.

Texto da Mariana Fonseca de Souza Riachi, Especialista em Design de Serviço na Alelo.

*Todes pela Diversidade e Inclusão: iniciativa que reúne colaboradores Alelo em Grupos de Afinidade, com o objetivo de promover ações de conscientização e políticas internas focadas em diversidade e inclusão de grupos minorizados (Grupo de Mulheres, LGBTQIA+, Pessoas Negras e PCDs)

*Dia do Foco: às sextas-feiras na Alelo todos são orientados a não marcar reuniões. O objetivo é colocar o pé no freio da rotina para colocar os cursos em dia, buscar inspirações, ou mesmo se concentrar naquelas tarefas que demandam mais foco.

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