Mais de 75% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência no trabalho, segundo uma pesquisa da Locomotiva e do Instituto Patrícia Galvão, publicada em dezembro de 2020.
Xingamentos, abuso de poder, discriminação devido à aparência, elogios constrangedores, assédio, estupro e agressões físicas são exemplos de violências que ocorrem nos ambientes corporativos.
Por isso, a campanha do Agosto Lilás é tão importante. Alessandra Calabresi, advogada especialista em Direito da Mulher, Eleitoral, Consumidor e Família, Diretora da OAB Pinheiros, e membro do Conselho Estadual da Condição Feminina do Estado de São Paulo, explica sobre o mês:
Ao Blog da Alelo, a advogada conta sobre a violência contra a mulher e a Lei Maria Da Penha, além de falar sobre os dispositivos legais ao alcance das mulheres. Confira:
Os diferentes tipos de violência contra as mulheres
Quando ouvimos falar em violência, logo imaginamos uma agressão física. Mas na realidade, a Lei Maria da Penha define mais quatro tipos de violência, além da física: psicológica, patrimonial, sexual e moral.
A física diz respeito às agressões corporais (chutes, socos, etc.); já a psicológica são todas aquelas violências que mexem com o emocional e fragilizam a mulher (xingamentos, ofensas, etc.). A patrimonial está relacionada às questões que envolvem o patrimônio; quando o agressor quebra algum objeto da mulher, por exemplo.
Sobre esse tipo de violência, o Instituto Maria da Penha ressalta: “[É] qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.
Além disso, há a violência sexual que é toda e qualquer tentativa sexual indesejada ou assédio sexual. Por fim, a moral diz respeito a condutas que configurem calúnia, difamação ou injúria.
Vale lembrar que as violências podem ocorrer simultaneamente, principalmente em caso de ciclos de agressões que acontecem dentro de casa.
Segundo a pesquisa “Já se mete a colher em briga de marido e mulher”, as violências física, sexual, emocional e moral não ocorrem isoladamente. Ainda, o mesmo estudo aponta que “qualquer que seja a forma assumida pela agressão, a violência emocional está sempre presente.”
Como funciona a Lei Maria da Penha?
A Lei Maria da Penha, que está em vigor desde 2006, prevê mecanismos legais para a proteção da mulher, como as medidas restritivas e preventivas, e punições para os agressores.
Conforme explica Alessandra Calabresi: “A Lei Maria da Penha foi eleita a terceira melhor lei do mundo. Ela surgiu por conta do Brasil ter sido condenado em 2001 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA por não dar o devido acolhimento e julgamento ao crime cometido à época pelo marido da Maria da Penha (farmacêutica brasileira, que sofreu uma tentativa de homicídio que a deixou paraplégica)”.
Com a lei em vigor, as mulheres têm acesso a uma “estrutura organizacional que prevê órgãos administrativos que prestem acolhimento diferenciado às mulheres, com criação de delegacias especializadas, bem como, atendimento psicológico, assistência jurídica, promotoria e varas especializadas na defesa da mulher”, fala a advogada.
Quais são os dispositivos legais para mulheres que estão em situação de violência?
Alessandra Calabresi lista alguns dispositivos legais que oferecem proteção às vítimas em situação de violência:
- Lei 11.240/2006 – Lei Maria da Penha: principal legislação do Brasil de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.
- Lei 12.737/2012 – Tipificação criminal de delitos informáticos: promoveu alterações no código penal para definir crimes cibernéticos no Brasil, como veicular e divulgar imagens de pessoas sem autorização.
- Lei 12.845/2013 – Lei do Minuto Seguinte: atendimento hospitalar preferencial e multidisciplinar de mulheres vítimas de crimes sexuais.
- Lei 13104/2015 – Lei do Feminicídio: entra para a lista dos crimes hediondos com agravante de aumento de pena.
- Lei 13.718/2018 – Lei da Importunação Sexual: punição a atos libidinosos na presença de alguém sem sua permissão, aplicada também a beijos roubados ou passar a mão no corpo alheio sem permissão.
- Lei 14.132/2021 – Lei do Stalking: visa punir a perseguição e a perturbação.
- Lei 17.621/2023 (Para o Estado de São Paulo): bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos devem adotar medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco.
- Lei 17.635/2023 (Para o Estado de São Paulo): dispõe sobre a capacitação dos funcionários de bares, restaurantes, boates, clubes noturnos, casas de espetáculos e congêneres, de modo a habilitá-los a identificar e combater o assédio sexual e a cultura do estupro praticados contra as mulheres, e dá outras providências.
Qual é a importância do acolhimento de uma mulher que está sofrendo um ciclo de violência?
É muito difícil sair de um ciclo de violência em qualquer ambiente em que ele esteja ocorrendo, principalmente pela descrença de que o agressor será adequadamente punido.
Assim como em toda a sociedade, no mercado de trabalho, a situação de vulnerabilidade da mulher frente a casos de agressões ainda persiste. A pesquisa da Locomotiva e do Instituto Patrícia Galvão identificou, em 2020, que em apenas 34% dos casos, a empresa ouviu o relato da vítima e puniu o agressor; em 12%, a empresa sequer ouviu a vítima.
Além disso, a maior parte das vítimas não procurou ajuda. Em geral, as mulheres tentam resolver sozinhas, seja confrontando o agressor, contando apenas para pessoas próximas, evitando contato com quem a agrediu ou pedindo demissão.
Mesmo nos casos recorrentes ou “isolados”, o encorajamento para que as mulheres recorram a medidas é indispensável para a punição adequada do agressor. Mas lembre-se: o acolhimento é uma etapa fundamental nesse processo.
“O acolhimento é de extrema importância. Nunca devemos julgar uma mulher que está no ciclo de violência. É um dever de todas nós como sociedade fortalecê-la para que tenha coragem de denunciar seu agressor, oferecendo apoio emocional para ajudá-la a reconhecer o abuso, buscar ajuda legal, médica e psicológica, além de possibilitar o rompimento do ciclo de violência”, declara Alessandra Calabresi.
Como agir em casos de violência contra as mulheres?
Há algumas alternativas e dispositivos importantes que auxiliam no combate da violência contra as mulheres. Neles, é possível solicitar ajuda por meio de canais de denúncia.
A advogada indica alguns:
- Secretaria de Segurança Pública, no ícone web denúncia;
- Centro de Atendimento à Mulher pelo telefone 180 (nacional) ou e-mail: ligue180@mdh.gov.br;
- Disque 100 para violência contra criança ou violência contra idoso e pessoa com deficiência;
- Aplicativo SOS Mulher;
- B.O. online na Delegacia Eletrônica.
Sobre o aplicativo, Calabresi alerta: “O SOS MULHER é focado no apoio às mulheres que possuem medidas protetivas concedidas pela Justiça; [elas podem acionar] o 190 em caso de risco”.
Ainda, a profissional pontua: “É de extrema importância buscar ajuda e apoio por esses meios e recursos: polícia, judiciário, Ministério Público, Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), abrigos, psicólogos e assistentes sociais”.
O papel da educação e da conscientização
Falar sobre essa realidade e conscientizar a população em relação à violência contra mulher e aos dispositivos legais, é indispensável para, gradualmente, tentar criar espaços mais seguros para as mulheres.
Além disso, a advogada também aborda outro ponto importantíssimo nessa luta: “O investimento em políticas públicas é um dos pilares mais importantes nesta transformação no sentido de conscientizar a nossa sociedade como um todo. Isso ocorre através da educação. Precisamos de diversas ações nesse sentido para o enfrentamento do machismo enraizado em nossa sociedade”.
Agosto Lilás na sua empresa
Embora o foco do Agosto Lilás seja a conscientização em relação à violência doméstica, a legislação em prol da mulher vale para todos os ambientes da sociedade, inclusive o trabalho.
Por isso, promova campanhas em sua organização que falem sobre a violência contra a mulher e os dispositivos legais para sua proteção. Afinal, mulheres da sua equipe podem estar lidando com agressores domésticos, ou no próprio local de trabalho.
Como Alessandra Calabresi comenta, a educação e conscientização são questões primordiais no combate à violência.
Não deixe de falar sobre o assunto e entre nessa luta você também!