Apesar dos avanços recentes, a realidade das mulheres no mercado de trabalho brasileiro segue marcada por altos índices de assédio, desigualdade e sobrecarga, fatores que impactam diretamente a saúde mental e a participação profissional. 

Dados de um estudo realizado pela Catho e divulgado em março deste ano mostram que, embora o assédio no ambiente de trabalho tenha recuado levemente — de 76% em 2024 para 73% em 2025 —, o número ainda é alarmante

Bora entender melhor sobre o assunto?

O que configura um assédio?

Uma ação é configurada como assédio quando envolve comportamentos abusivos, reiterados e sistemáticos que ferem a dignidade, a integridade psíquica ou física da pessoa, criando um ambiente hostil, humilhante ou constrangedor. 

Segundo o Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, o assédio moral, por exemplo, é uma conduta abusiva que pode se manifestar por palavras, gestos ou comportamentos que, de forma contínua, prejudicam a autoestima e a saúde emocional do trabalhador. 

A Controladoria-Geral da União reforça que o assédio ocorre quando há provocações, morais ou sexuais inoportunas, com o objetivo de prejudicar a atuação laboral ou criar uma situação constrangedora, além de destacar que o assédio moral envolve ações como humilhações públicas, sobrecarga de tarefas, isolamento, divulgação de boatos ofensivos, além de ameaças à integridade física. 

Para uma ação ser considerada assédio, ela deve ser repetida ao longo do tempo, com a intenção de prejudicar ou desestabilizar a vítima, podendo ocorrer tanto na forma de assédio moral quanto sexual, envolvendo comportamentos que promovem constrangimento, discriminação ou violência psicológica.

E as situações isoladas?

Situações isoladas geralmente não são consideradas assédio moral no ambiente de trabalho

Para que uma conduta seja caracterizada como assédio moral, é necessário que haja repetição (habitualidade), intencionalidade (propósito de prejudicar ou desestabilizar), direcionalidade (ação dirigida a uma pessoa ou grupo específico) e que ocorra ao longo do tempo. 

Ou seja, práticas isoladas, mesmo que possam causar dano, não configuram assédio moral de acordo com a legislação.

A principal diferença é que o assédio moral exige a repetição de comportamentos abusivos, enquanto um ato isolado, embora possa ser grave e gerar responsabilização civil, administrativa ou até criminal, não se enquadra como assédio. 

Por isso, um comportamento pontual pode ser considerado uma ofensa, violência psicológica ou dano moral, mas só será assédio moral se for reiterado e sistemático.

Tabela de Assédio

Para um ato ser considerado assédio, ele deve ser frequente e praticado com intenção de discriminar ou de desestabilizar a vítima. 

Esses são elementos essenciais para diferenciar assédio moral de outras formas de conduta inadequada no ambiente de trabalho.

Vale lembrar que o fator recorrência é exigência apenas em casos de assédio moral, quando se trata de assédio sexual, tanto atos isolados quanto recorrentes se enquadram em assédio e estão passíveis de punição perante a lei.

Qual assédio é mais recorrente?

O assédio moral permanece como o mais recorrente, afetando 38,2% das profissionais, segundo pesquisa da Catho com quase 7 mil mulheres, majoritariamente da região Sudeste.

Patricia Suzuki, diretora de RH da Catho, ao falar sobre a pesquisa, destaca:

“Embora os números mostrem uma leve queda, o percentual de mulheres que ainda enfrentam assédio no ambiente de trabalho é alarmante. Precisamos continuar promovendo um local mais seguro e igualitário, onde todas possam desenvolver suas carreiras sem medo ou restrições”.

Além do assédio, outros desafios estruturais persistem:

  • Desemprego e subutilização: houve aumento de 32% no desemprego feminino em relação ao ano anterior e 30% das mulheres não atuam em suas áreas de formação, um crescimento de 10%.
  • Preconceito e machismo: quase 100% das entrevistadas relatam já ter sofrido algum tipo de preconceito no mercado de trabalho, incluindo descrédito profissional e dificuldades para conciliar vida pessoal e carreira. Afinal, aproximadamente 75% das tarefas de cuidado não remunerado no mundo — incluindo o cuidado de crianças, idosos e pessoas dependentes — são realizadas por mulheres.
  • Desigualdade salarial: mulheres recebem menos que homens em 82% das áreas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e acumulam funções profissionais e domésticas, com 49,1% dos lares brasileiros sendo sustentados por mulheres.

Empresas x mitigação do assédio

Para Laura Salles, fundadora e CEO da PlurieBR, plataforma especializada em gestão de dados em tempo real de diversidade, equidade, inclusão e pertencimento, os casos de assédio tiveram esse pequeno declínio de 76% para 73%, mas ainda são tão altos porque falta informação e práticas educativas para as empresas poderem compreender, de fato, o problema.

Além disso, ela também explica que quando falamos sobre assédio é necessário entender qual é a consequência dessas ações nas companhias, nas empresas. As empresas estão de fato tomando providências para que esses casos não voltem a acontecer, mostrando que dentro da cultura não existe permissividade para questões morais e de importunação ou isso é tratado como algo comum? 

“Apesar de existir a Lei n.º 14.457/2022 que obriga empresas com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA a terem um canal de denúncia externo e fazerem formações anuais de combate ao assédio. 

Quantas organizações de fato cumprem com essas normativas e qual a efetividade desses cursos? Como eles estão sendo seguidos? Como está sendo a auditoria da implementação deles, na prática? Um curso de uma hora a cada ano não basta, é necessário existir um programa mais complexo que olhe para o impacto do assédio moral e sexual no dia a dia.”

Os impactos causados pelo assédio

Esse cenário é refletido diretamente na saúde mental das mulheres. O Brasil registrou, em 2024, mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, o maior número em uma década. 

E as mulheres, com idade média de 41 anos, representam 64% desses casos. As principais causas apontadas por especialistas incluem:

  • Sobrecarga de trabalho (profissional e doméstico);
  • Desigualdade salarial e pressão financeira;
  • Responsabilidade pelo cuidado familiar;
  • Violência de gênero e insegurança;
  • Machismo, discriminação e assédio no ambiente corporativo.

Arthur Danila, psiquiatra e pesquisador da USP, explicou ao G1 que:

“Esse padrão social sobre as mulheres gera sobrecarga. Ao mesmo tempo, elas têm salários menores e são, muitas vezes, as responsáveis financeiras pela casa.”

A busca por ajuda também é maior entre as mulheres, o que facilita o diagnóstico, mas evidencia a urgência de políticas de prevenção e acolhimento.

O papel do RH e das empresas: para além da legislação

Com a nova NR-1 em vigor, a saúde mental passa a ser uma responsabilidade jurídica das empresas, exigindo identificação de riscos psicossociais, reorganização do trabalho, promoção de ambientes saudáveis, canais de escuta ativa, apoio psicológico e monitoramento constante. 

A legislação também avança com medidas como flexibilização da jornada, licença-maternidade ampliada e programas obrigatórios de prevenção ao assédio. Fatores de extrema importância para mulheres que exercem o papel de cuidadoras primárias ou que são assediadas no ambiente organizacional.

O RH tem papel estratégico na transformação desse cenário:

  • Desenvolvimento de políticas inclusivas e de combate ao assédio;
  • Promoção de ambientes seguros, com canais confidenciais para denúncia;
  • Ações de bem-estar e saúde mental, incluindo apoio psicológico e programas de autocuidado;
  • Flexibilidade de jornada e apoio à maternidade;
  • Capacitação de gestores para liderança empática e inclusiva;
  • Educação e conscientização sobre saúde da mulher e equidade de gênero.

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Avanços e retrocessos: o que dizem as profissionais

Conversando com mulheres de diferentes setores, é possível perceber avanços na conscientização e na criação de políticas internas, mas há também relatos de retrocessos, especialmente em ambientes com menos diversidade e predominância masculina. 

Laura Salles reforça que, quando falamos sobre assédio no ambiente de trabalho, o principal desafio está na sutileza. “Muitas vezes, os assédios não são mais tão escancarados, em diversas situações, são ações mais estruturais e menos visíveis. Ele está nas micro agressões do dia a dia.”

E quando falamos sobre micro agressões, nos referimos a: inflexibilidade para profissionais que são mães ou cuidadoras primárias, desigualdade salarial, falta de perspectiva de crescimento, acúmulo de demandas, níveis mais altos de exigência para as mulheres em relação aos homens, falta de diversidade e de representatividade feminina em cargos de liderança.

Laura explica que, por isso, existe tanta dificuldade em trazer à luz as questões de desigualdade de gênero. “Muitas empresas acabam negligenciando o problema por acreditar que o ambiente é equânime, com um discurso de ‘Ah, isso acontece nessa empresa? Nunca tinha percebido, nunca tinha passado por isso, não achei que isso fosse assédio.’ E não é só uma responsabilidade do RH manter a cultura da empresa. É uma responsabilidade da diretoria, do CEO e dos líderes.”

Assédio, desigualdade e saúde mental

O tempo também pode ser um problema

Apesar de vivermos sob o mesmo ciclo com um dia tendo 24 horas, a forma como esse tempo é distribuído está longe de ser igualitária, especialmente para as mulheres. 

Muito além da jornada formal de trabalho, elas acumulam funções como o cuidado com filhos, tarefas domésticas, apoio emocional à família e, muitas vezes, ainda enfrentam o chamado “tempo in itinere” (o tempo gasto entre a casa e o trabalho, que pode variar muito de acordo com a hierarquia, localização e acesso a transporte). 

Esse acúmulo resulta na chamada “jornada dupla” ou até “tripla”, fazendo com que a carga de trabalho das mulheres se estenda muito além do expediente. 

Dados do IBGE mostram que as mulheres dedicam, em média, quase o dobro do tempo dos homens às atividades domésticas e de cuidado, o que impacta diretamente sua saúde, bem-estar e oportunidades de ascensão profissional e educacional. 

Por isso, é fundamental que o RH olhe para essas desigualdades estruturais e promova políticas de diversidade, inclusão e equidade, criando condições para que todas as profissionais tenham, de fato, as mesmas oportunidades de crescimento e desenvolvimento.

Respeitando limitações para realizar horas extras, viagens a trabalho e disponibilidade fora do expediente para lidar com possíveis imprevistos da empresa.

Quais são os rumos do mercado?

Em 2025, o mercado de trabalho brasileiro ainda está longe de ser seguro e igualitário para as mulheres. 

O combate ao assédio, à desigualdade e à sobrecarga exige uma abordagem mais completa e complexa, que ultrapasse a atuação individual da empresa e envolva políticas públicas, transformação cultural e engajamento de toda a sociedade. 

E o RH, como área majoritariamente feminina e estratégica, é protagonista nesse movimento, liderando ações que promovam saúde, respeito, segurança e equidade para todas as profissionais.

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