Separar vida pessoal e profissional é um desafio constante para muitas pessoas. Mas o que fazer quando questões privadas, como crises familiares, interpessoais ou financeiras, ultrapassam a barreira do lar e impactam o trabalho?
A solução para isso está na intersecção entre ações internas voltadas para o bem-estar emocional dos colaboradores, psicologia e gestão estratégica de pessoas.
Afinal, entender como essas situações afetam a produtividade e o clima organizacional é fundamental para empresas que buscam promover um ambiente mais saudável e eficiente.
O impacto dos problemas pessoais no trabalho
Segundo a pesquisa Health on Demand 2025, da Mercer, problemas pessoais relacionados à saúde mental, estresse financeiro e dificuldades de acesso à saúde são os que mais afetam o desempenho dos trabalhadores.
Elaborada com a colaboração de mais de 18.000 trabalhadores de 17 países, incluindo regiões como Austrália, Europa, América Latina, Oriente Médio, África e Ásia, o levantamento foi realizado entre outubro e novembro de 2024 e abrangeu diferentes mercados globais.
Quase metade dos colaboradores relataram sentirem-se estressados tanto na vida pessoal (47%) quanto na rotina de trabalho (45%), e um terço (33%) afirma vivenciar estresse intenso em ambos os ambientes simultaneamente. Esse cenário de estresse constante está associado a fatores que se sobrepõem à vida pessoal e profissional, como:
- preocupação com despesas mensais;
- a necessidade de planejar a aposentadoria e temores sobre o futuro;
- temores relacionados à moradia, alimentação e vida familiar;
- e a insegurança em relação à estabilidade profissional e a possibilidade de perder o emprego.
Além disso, os dados publicados este ano demonstram que houve uma queda no número de trabalhadores que se consideram física e mentalmente bem, indicando um aumento nas preocupações com saúde e bem-estar.
Entre os principais motivos para esse declínio estão o adiamento de cuidados médicos por razões financeiras, 22% não têm confiança de que podem arcar com despesas de saúde, o que pode agravar as preocupações e resultar em quadros de saúde não tratados, com impacto direto na produtividade e no engajamento organizacionais.
O relatório também destaca que outras questões, como o estresse relacionado ao cuidado parental ou de familiares, afetam significativamente a rotina no trabalho. Mais da metade dos cuidadores (48%) sentem-se estressados na maior parte dos dias, e 86% deles já adiaram cuidados de saúde por dificuldades financeiras.
Além disso, a pesquisa ressalta que um em cada cinco funcionários já deixou um emprego ou está buscando uma nova oportunidade devido à necessidade de conciliar a rotina de cuidado familiar com a vida profissional, enfatizando a relevância da flexibilidade de horários para essas pessoas.
Por que a preocupação com o bem-estar é estratégica?
A deterioração da saúde mental é apontada como o segundo maior risco para as organizações, com impactos que incluem aumento do absenteísmo, queda de produtividade, erros, acidentes e perda de talentos.
O relatório demonstra que ambientes de trabalho que não oferecem suporte adequado à saúde mental e benefícios personalizados para as necessidades dos colaboradores tendem a registrar maior rotatividade e menor engajamento dos colaboradores.
A partir dos dados obtidos a Mercer destaca que empresas que investem em bem-estar físico, mental e financeiro, incluindo: flexibilidade, apoio psicológico, programas de educação financeira e acesso facilitado à saúde, conseguem mitigar os efeitos negativos dos problemas privados, promovendo o envolvimento, comprometimento, bom desempenho no trabalho e a satisfação dos colaboradores.
Por que problemas pessoais influenciam o trabalho?
A mente humana não compartimentaliza emoções, por isso, questões como doenças na família, divórcios, endividamento ou transtornos emocionais afetam o estado psicológico em todos os âmbitos, seja na vida pessoal, profissional, social ou familiar. Reduzindo a capacidade de concentração, tomada de decisão e motivação.
Para a empresa as questões privadas dos colaboradores pode se manifestar por meio de atrasos, faltas, baixa produtividade, erros frequentes e dificuldades de relacionamento com colegas e líderes. Também é onde liderança e RH conseguem observar o fenômeno do “presenteísmo”, que faz referência a estar fisicamente presente, mas mentalmente ausente, um reflexo claro do impacto negativo dos problemas pessoais no desempenho profissional.
Qual relação os problemas e queda da produtividade?
Utilizando como ponto de partida o psicodrama, corrente da psicologia proposta por Jacob L. Moreno, a relação entre questões pessoais e a queda na produtividade no ambiente de trabalho pode ser explicada a partir da teoria dos papéis sociais.
Para ele, cada indivíduo desempenha diferentes papéis conforme o contexto social em que está inserido, como o papel familiar e o papel profissional. E embora esses papéis possam parecer distintos, eles não são vividos de forma isolada: conflitos, sofrimentos ou insatisfações em um deles, por exemplo, desafios familiares, podem atravessar para outros contextos, afetando a espontaneidade, criatividade, desempenho e bem-estar do indivíduo no trabalho.
O teórico destaca que, quando uma pessoa está passando por problemas pessoais, como dificuldades financeiras ou familiares, ela pode ter mais dificuldade para se adaptar ao papel de trabalhador porque esses obstáculos afetam o que ele denomina como espontaneidade, que é a capacidade de responder de forma flexível e criativa aos desafios do dia a dia. Ou seja, quando alguém está sobrecarregado por preocupações ou conflitos, tende a agir de maneira mais “rígida”, automática ou sem motivação, dificultando a adaptação às exigências do ambiente.
Isso acontece porque os papéis que desempenhamos, seja em casa, no trabalho ou em outros contextos, estão todos conectados, e dificuldades em um papel acabam influenciando os outros. Assim, questões privadas acabam “travando” a pessoa, fazendo com que demandas simples do trabalho virem grandes fardos e gerem exaustão, prejudicando o desempenho profissional, relações interpessoais e a aumentando o sentimento de insatisfação.
Como as empresas podem auxiliar?

Conforme explica a especialista em recursos humanos Mara Maina, “todos enfrentamos desafios pessoais em algum momento da vida, seja uma preocupação familiar, questões de saúde ou dificuldades financeiras. E esses problemas podem afetar nossa concentração, motivação e até mesmo nosso humor no trabalho, é natural que, quando algo nos preocupa, isso reflita em nossa produtividade e interação com os colegas”.
Por isso, a empresa também precisa olhar para o profissional para além do ambiente corporativo, conforme Mara pontua, é importante que as empresas reconheçam o ser humano por completo, não apenas como “profissional”.
Nesse contexto, é possível observar a importância de ir além da cobrança por resultados. É fundamental criar um ambiente de confiança, onde os colaboradores se sintam seguros para compartilhar suas dificuldades sem medo de represálias. Isso pode ser feito a partir da:
- Promoção de uma cultura organizacional que valorize o bem-estar emocional e a saúde mental;
- Oferecimento de programas de apoio psicológico, como sessões de terapia, aconselhamento ou assistência social, garantindo sigilo e discrição;
- Realização de treinamentos para líderes e equipes sobre identificação de sinais de desgaste emocional e gestão de conflitos;
- Flexibilização de jornadas, permitindo folgas para o colaborador poder resolver questões pessoais sem comprometer sua saúde mental e mitigando os impactos negativos no trabalho a longo prazo;
- E do incentivo ao diálogo aberto e a escuta ativa entre líderes e equipes, fortalecendo o sentimento de pertencimento e apoio mútuo.
A especialista reforça que cada pessoa tem sua própria história, desafios e necessidades e, ao enxergar isso e trabalhar em prol da gestão dos desafios de cada indivíduo, a empresa cria um ambiente de respeito e valorização, fortalecendo o vínculo entre o profissional e a organização, promovendo maior engajamento e satisfação no trabalho.
“Empresas mais empáticas e com ações contundentes de apoio psicológico e bem-estar representam um importante diferencial competitivo, ambientes que promovem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional tendem a ter equipes mais motivadas, criativas e comprometidas. Além disso, essas organizações se destacam no mercado, atraindo e retendo talentos que valorizam uma cultura corporativa humanizada.”
Impactos dos problemas pessoais não resolvidos ou sem apoio nas equipes:
Quando não reconhecidos ou apoiados pela organização, os efeitos negativos dos problemas enfrentados pelos colaboradores se multiplicam. Além da queda individual de produtividade, há riscos de:
- Aumento do absenteísmo e atrasos frequentes, prejudicando o fluxo de tarefas;
- Crescimento do número de erros e diminuição da qualidade do trabalho;
- Esgotamento mental, casos de burnout e afastamentos por motivos de saúde;
- Ambiente tóxico, com aumento de conflitos, isolamento social e enfraquecimento da colaboração entre colegas;
- Redução do engajamento e maior rotatividade, afetando diretamente os resultados e a inovação da empresa.
Questões pessoais podem impactar significativamente o desempenho no trabalho, afetando a concentração, produtividade e aumentando erros.
Pesquisas mostram que apenas 53,3% do tempo no trabalho é realmente produtivo, com questões pessoais contribuindo para essa baixa. Além disso, conflitos recorrentes no ambiente de trabalho também têm efeitos expressivos: um estudo da American Psychological Association aponta que 60% dos colaboradores relatam queda de produtividade devido a conflitos, enquanto 57% afirmam que o estresse gerado por essas situações leva ao aumento do absenteísmo e ao risco de burnout.
Problemas pessoais fazem parte da vida de qualquer profissional e, inevitavelmente, impactam o desempenho no trabalho. Ignorar essa realidade pode trazer consequências graves para o colaborador, a equipe e a empresa como um todo.
Por isso, investir em apoio emocional é tão urgente, afinal, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional é, mais do que nunca, uma prioridade estratégica para o sucesso sustentável das empresas.
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