O senso de pertencimento é uma necessidade humana. Fazer parte de um meio e se enxergar de alguma forma em seus semelhantes foi o sentimento que motivou a união de tribos, por exemplo. Trata-se de uma questão antropológica, que até hoje define o bem estar de um indivíduo dentro de um determinado grupo. Somos movidos por conexões.
Levar esse conceito para o mercado de trabalho, ainda que se fale sobre isso há muito tempo, pode não ser tarefa fácil. Afinal, como acolher cada ser e suas particularidades dentro de um ambiente com uma estrutura fixa e comum?
E o desafio ainda ganha novos contornos ao precisar ser realizado, muitas vezes, de forma remota. Por isso, uma pesquisa da consultoria Deloitte, que analisa as tendências globais sobre o capital humano nas empresas aponta que promover o senso de pertencimento entre os funcionários está entre as principais tendências para a próxima década.
Senso de pertencimento na prática e sem grandes investimentos
Mas afinal, como fazer isso de forma prática? O grande desafio é que não há apenas uma resposta objetiva para a questão. Cada empresa precisa achar a receita certa, de acordo com sua cultura estabelecida.
Há alguns pontos que podem ajudar nessa busca por mais senso de pertencimento, como criar experiências para que o funcionário se sinta valorizado, importante e aceito.
Isso pode ser feito na prática com pequenas mudanças. Por exemplo, a distribuição das vagas de estacionamento. O formato de vagas especiais para a diretoria dá lugar a espaços exclusivos para gestantes e PCD.
“Essa forma reforça que a empresa não difere seus colaboradores por cargo e apenas protege o direito dos funcionários com necessidades especiais naquele momento. É uma forma de chamar os colaboradores para mais perto”, diz Roberto Aylmer, professor da Fundação Dom Cabral, especialista em liderança e gestão estratégica de pessoas e diretor da consultoria Aylmer Desenvolvimento Humano.
Outra ação que pode culminar em maior senso de pertencimento é a adoção de benefícios flexíveis, como o Alelo Tudo , com o qual os colaboradores escolhem como gastar o valor recebido pela empresa em frentes como transporte e alimentação. “Esse posicionamento deixa claro uma cultura de liberdade, empoderamento e confiança”, diz Roberto.
O fim do dresscode, pois cada vez mais companhias apostam na liberdade de escolha e de expressão de seus funcionários, também é outra forma de cultivar o senso de pertencimento. “Ao não estipular trajes específicos, a mensagem transmitida é de respeito e reconhecimento dos indivíduos como seres únicos. Cada um pode ser quem de fato é”, afirma o professor.
Os ganhos do senso de pertencimento
De acordo com uma pesquisa da startup americana de desenvolvimento de liderança BetterUp, o sentimento de pertencimento no local de trabalho é vital para o bem-estar dos colaboradores e o funcionamento organizacional.
Na pesquisa realizada nos Estados Unidos com 1.800 trabalhadores, a BetterUp descobriu que entre os funcionários com um alto senso de pertencimento 75% faltam menos por doença do que os que se sentem excluídos, por exemplo.
Além disso, os indivíduos que se sentiam altamente conectados no trabalho receberam o dobro de aumentos e tinham 18 vezes mais chances de serem promovidos em um período de seis meses do que aqueles que se sentiam excluídos.
O cenário real do senso de pertencimento
Embora as organizações invistam cada vez mais em tecnologias e ferramentas automatizadas, o outro lado da moeda, o da humanização, exige o mesmo esforço. Mais do que o discurso alinhado, os funcionários esperam um contexto para se identificar.
O Grupo Cia de Talentos realizou a 20ª edição da pesquisa Carreira dos Sonhos para compreender a percepção dos profissionais sobre senso de pertencimento e qualidade de sua saúde mental e notou um cenário preocupante.
A edição contou com a participação de 98.355 pessoas de todas as regiões do país e também do exterior divididas em três categorias: jovens (78.864 participantes), média gestão (12.786) e alta liderança (6.885).
Com base no conceito de que o senso de pertencimento é cultivado quando a cultura organizacional oferece autonomia de ação, valorização de contribuições, comunicação aberta e honesta, trabalho significativo e permite que o colaborador possa ser ele mesmo -, somente 27% dos profissionais de média gestão e 31% dos jovens disseram se sentir dessa forma.
Dicas para estimular o senso de pertencimento
“Estimular a construção de conexões é o caminho para aumentar o senso de pertencimento. Ninguém gosta de estar sozinho. Ter aliados é fundamental para se sentir mais seguro”, diz Rafael Souto, CEO da consultoria Produtive.
Confira três dicas a seguir:
A -Mentoria: a ideia é que profissionais jovens ou que acabaram de ingressar na empresa tenham um colaborador mais experiente, por cargo hierárquico ou anos de casa, como uma espécie de conselheiro para a carreira. Mentoria reversa, onde os mais jovens auxiliam profissionais seniores, também podem funcionar para a construção de conexões.
B -Incentive os elogios: Elogios devem ser uma prática vivenciada pela empresa como um todo. Na multinacional americana Kimberly-Clark, a solução encontrada foi o cartão de reconhecimento online, que é enviado em formato digital após alguma reunião, evento ou projeto, e agradece a postura do colaborador com base em um dos valores da empresa, por exemplo.
C -Momentos de descontração: Estabelecer oportunidades de descompressão é fundamental para criar conexões. Ainda que o momento atual não permita grandes encontros, a realização de reuniões informais online ou mesmo um horário da agenda para falar de assuntos de fora do trabalho pode ser interessante. Montar rodas de conversa sobre jogos, maternidade ou viagens pode ser uma forma de estimular o convívio e aproximar interesses comuns.