O mercado de trabalho dos últimos anos tem observado o encontro de dois “fenômenos” surgidos no século passado: a geração millennials – aquela formada por pessoas nascidas entre 1981 e 1996 – e a síndrome de burnout.
Pesquisas demonstram ser uma característica intrínseca aos trabalhadores da também chamada de geração Y, o convívio estreito com o esgotamento profissional.
Frustração, exaustão extrema, distanciamento social e outros sentimentos e sensações ligados à alta carga de trabalho atingem 50% desta população, segundo dados da empresa de auditoria Deloitte.
Ainda segundo a pesquisa, no Brasil, cerca de 62% dos millennials convivem em algum nível com essa doença que tem sido entendida como uma verdadeira epidemia entre os trabalhadores que estão por volta dos 40 anos.
Mas por que o burnout e suas consequências atingiram em cheio essa galera? Para analisar essa questão, o blog da Alelo convidou a jornalista e palestrante Izabella Camargo, profissional com passagem pela Globo e SBT, autora do livro “Dá UM TEMPO!” Como encontrar limites em um mundo sem limites”.
Bora lá?
O que é a síndrome de burnout?
Conhecida desde o início da década de 1970 e incluída na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) como um fenômeno ocupacional, a síndrome de burnout, diz a Organização Mundial da Saúde (OMS) em publicação da Organização das Nações Unidas (ONU):
Ao passar da conta nas horas dedicadas às atividades laborais, a pessoa pode começar a sentir alguns sintomas do burnout, como:
- Exaustão emocional: sensação de cansaço extremo e esgotamento emocional, em que o indivíduo se sente incapaz de oferecer mais vitalidade no trabalho;
- Despersonalização: desenvolvimento de uma atitude indiferente e indolente em relação ao trabalho e às pessoas envolvidas, levando a um distanciamento emocional;
- Redução da realização pessoal: ineficácia e falta de realização profissional são sentimentos comuns nesses casos, em que o indivíduo sente que não está progredindo ou tendo sucesso no trabalho.
Com a junção desses problemas, chega o “vazio interior”, o isolamento e, consequentemente, um grave colapso físico e mental.
É fundamental, então, buscar ajuda médica, fazer terapia, ter apoio de amigos e familiares e, o mais importante de tudo, desacelerar.
Por que a síndrome de burnout atinge os millennials?
Geração que compõe a maior parte da população brasileira, com 34% do total, os millennials representam atualmente 50% da força de trabalho.
Alguns já em cargos de chefia, mas muitos ainda tentando se destacar na profissão que escolheram.
Pesquisadora sobre a síndrome de burnout, Izabella Camargo aponta que os millennials cresceram com a promessa de que a educação e o trabalho árduo levariam a carreiras recompensadoras e estabilidade financeira, mas que mudanças no mercado de trabalho e na sociedade em geral alteraram os rumos.
De acordo com a especialista, essa discrepância entre expectativas e realidade cria um terreno fértil para o burnout.
Isso acontece especialmente, porque muitos ainda estão lutando para alcançar marcos de vida – sucesso profissional, casa própria etc. – que suas gerações anteriores atingiram mais facilmente, porque os tempos e recursos eram outros.
“A síndrome de burnout vai afetar profissionais comprometidos, idealistas e que acabam caindo nas armadilhas da competência”, esclarece Izabella.
Millennials e as “recompensas” da sobrecarga de trabalho
Ter a rotina de trabalhar horas e horas por dia, com pouco descanso, sem atividades de lazer, durante anos, é algo que desafia a saúde física e mental.
Essa valorização da sobrecarga de trabalho, muitas vezes vista como uma “medalha de honra”, é uma tendência problemática que afeta os millennials em sua maioria.
Essa pressão insustentável sobre o indivíduo, afirma Izabella, pode levar a um desgaste severo a longo prazo, atrás de uma recompensa que pode nunca chegar. “A palavra ‘meritocracia’ precisa de uma revisão urgente”, garante.
E as expectativas da vida pessoal?
Carreira estabelecida, casa própria, carro do ano, casamento, filhos, férias no exterior… Todas essas realizações, até pouco tempo atrás, pareciam possíveis caso o trabalhador se esforçasse.
Mas isso ficou para trás, e a lógica do mercado de trabalho é que há pouca lógica nesse contexto, o que atinge em cheio aquele que seria “o” momento dos millennials. Aí vem a pergunta: e agora?
Principalmente para as mulheres, que ainda enfrentam toda a carga da jornada dupla e a desigualdade no mercado de trabalho.
Tecnologia e burnout: qual a ligação?
Ser a primeira geração a crescer se relacionando diretamente com a internet, computadores e aparelhos de telefonia celular, não fez os millenials escaparem das armadilhas do excesso de informação e do burnout digital.
Izabella Camargo recorre até a uma famosa frase do médico franco-suíço Paracelso, que no século XVI afirmou que “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”.
“Apesar dos millennials serem a primeira geração a crescer imersa em tecnologia, isso não contribui para o uso equilibrado. Ainda estamos nos adaptando aos excessos de acessos”, alerta.
Segundo ela, culpar a internet nos casos de falta de tempo ou sobrecarga é o mesmo que culpar os supermercados pelo excesso de peso de grupos populacionais.
É preciso educar as pessoas, que estão deslumbradas com as possibilidades que a internet traz.
Millennials x Geração dos pais: quais as diferenças?
Prazos e metas sempre vão existir, e se pressão fosse ruim “ninguém contrataria personal trainer”, brinca Izabella.
O que diferencia um resultado negativo ou positivo, indica a especialista, é a forma como a pressão ou a meta são estabelecidas.
Se houver algum tipo de abuso, assédio ou grosseria, uma meta fácil e acessível pode se tornar um pesadelo.
Enquanto a geração dos pais priorizava a estabilidade a longo prazo em uma única empresa, os millennials valorizam a flexibilidade e o equilíbrio entre os objetivos pessoais e profissionais.
No entanto, essas oportunidades para crescimento e aprendizado contínuo não têm sido a realidade do instável mercado atual, com suas rápidas mudanças e incertezas.
“Isso afeta profundamente os millennials, que podem sentir que nunca vão ‘se estabelecer’ ou ter segurança em suas trajetórias profissionais”, argumenta.
Millennials x Geração Z: conflito ou encontro de gerações?
Com os millennials na faixa dos 40, os integrantes da Geração Z, nascidos entre 1997 e 2012, começam a pedir passagem e entrar no mercado de trabalho.
O convívio com a galera mais nova pode gerar um certo conflito geracional, pois em geral os integrantes da Geração Z são conhecidos por características como a falta de apego a um plano de carreira e até mesmo um baixo engajamento no trabalho.
Izabella, porém, dispensa o termo conflito nessa relação. Ela prefere ver um encontro de gerações, valioso para ambos os lados.
Ambiente tóxico e burnout: qual a relação?
Atitudes que vão desde microgerenciamento e falta de suporte até bullying e a cultura de longas horas de trabalho influenciam diretamente em um ambiente de trabalho tóxico, que com certeza contribui para o burnout.
“Eles criam um cenário onde o estresse crônico por longos períodos é comum, e sem espaço para recuperação. Os millennials, já predispostos ao alto desempenho e à busca constante por aprovação, encontram-se frequentemente exaustos e desiludidos”, afirma Izabella.
Mas a especialista alerta que o trabalhador também precisa fazer sua parte e evitar comportamentos tóxicos. Todos têm direitos e deveres.
“Quando uma empresa oferece e comunica com frequência sobre recursos e espaços seguros, tem muita gente que ainda tem medo de se manifestar. Cultura mudamos a longo prazo, mas o indivíduo não pode ficar esperando a cultura mudar. Para assumir responsabilidades é preciso de autorresponsabilidade”, diz.
Como os empregadores podem atuar no bem-estar dos millennials?
Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), apontam que aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome de burnout.
Esse número coloca o Brasil na segunda posição com mais casos diagnosticados no mundo.
Síndrome de burnout e os demais transtornos mentais que afetam parte dos trabalhadores levam a perdas de R$ 397,2 bilhões por ano, o que equivale a 4,7% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, segundo estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
Ou seja, todos perdem com o adoecimento dos trabalhadores. Por isso, é fundamental que as empresas coloquem esforços nesse sentido, com o desenvolvimento de políticas e práticas que promovam um ambiente de trabalho mais saudável.
“Algumas empresas já entenderam que o problema é complexo e exige análises profundas. Porém, de forma geral, para evitar a síndrome de burnout é essencial fazer o letramento de assédio e segurança psicológica com os líderes, além de chamadas com frequência para a autorresponsabilidade dos funcionários”, aponta.
Como enfrentar o burnout?
Izabella não hesita em bater na tecla da autopreservação. Ela explica que o burnout é um freio, um sinal de alerta, mas que o trabalhador precisa saber que não está tudo perdido, mas sim é preciso reconhecer os limites e defendê-los.
Para os gestores de RH, cabe repensar políticas internas e, cada vez mais, fomentar uma cultura de segurança psicológica e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.