Ao se candidatar a uma vaga, você já se deparou com perguntas sobre sua orientação sexual e ficou em dúvida sobre a real necessidade de passar esse dado para a empresa?
Essa “avaliação” em processos de recrutamento e no ambiente de trabalho é um tema que gera debates importantes sobre os limites da coleta de informações sensíveis, real preocupação com a promoção da diversidade, o risco de discriminação e o impacto dessas práticas na equidade de oportunidades.
Apesar dos avanços legislativos e do crescente reconhecimento dos direitos das minorias, obstáculos significativos ainda persistem para profissionais LGBTQIAPN+, especialmente quando falamos sobre inserção no mercado, remuneração e satisfação.
Bora lá saber mais.
Por que perguntam sobre orientação sexual?
Muitas empresas incluem perguntas sobre orientação sexual em seus processos seletivos com o argumento de mapear diferentes perfis e promover ações afirmativas.
A intenção declarada é criar ambientes mais inclusivos e corrigir desigualdades históricas, mas essa prática pode gerar dúvidas e desconforto nos candidatos, que frequentemente se perguntam se a informação será usada de forma ética ou poderá impactar negativamente suas chances de contratação.
Quais os limites entre a promoção da diversidade e a invasão da privacidade?
Segundo a psicóloga e especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I), Jenifer Zveiter, o limite está na forma, no propósito e na transparência do uso dessas informações.
“É muito comum nos depararmos com campanhas de vagas afirmativas e/ou exclusivas. Ou seja, em contextos em que se justifica o questionamento sobre orientação sexual ou identidade de gênero. Fora disso, essa pergunta não faz sentido, principalmente quando colocada como obrigatória.”
Ela explica que, para pessoas LGBTQIAPN+, especialmente trans e travestis, essa pergunta representa um risco real: sofrer discriminação velada e perder mais uma oportunidade de inserção no mercado de trabalho.
Afinal, para quem não se identifica como cisgênero, são relegados os empregos informais e subempregos, conforme aponta uma pesquisa realizada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA), que concluiu que apenas 4% das pessoas trans e travestis estão no mercado formal.
“Por isso, esses dados só deveriam ser solicitados de forma voluntária, opcional e acompanhados de uma justificativa clara e objetiva sobre como serão utilizados para garantir direitos.”
Jenifer também compartilhou que, como uma pessoa da comunidade LGBTQIAPN+, se lembra bem de quantas vezes perdeu oportunidades por causa disso. “No início da minha carreira, omiti essa informação incontáveis vezes. E não é à toa que, quando uma empresa aplica um Censo Demográfico de Diversidade com responsabilidade, o percentual de pessoas LGBTQIAPN+ dentro daquele ambiente cresce de forma exponencial.”
O que diz a legislação: LGPD e dados sensíveis
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) classifica a orientação sexual como dado sensível, exigindo consentimento explícito do candidato para sua coleta e tratamento.
As empresas devem garantir transparência sobre o motivo da coleta, informar como os dados serão utilizados e assegurar a confidencialidade dessas informações, sob pena de sanções legais em caso de uso indevido ou vazamento.
Quais cuidados éticos e legais devem ser considerados?
Jenifer explica que do ponto de vista ético, é essencial que essa coleta seja voluntária, anônima (sempre que possível) e que os dados não sejam usados para avaliação individual no recrutamento. Além disso, o RH deve estar ciente dos termos da LGPD para coleta de informações como essa.

“Também é fundamental criar um ambiente seguro para trabalhar essa pauta. Perguntas como essas não podem ser gatilhos para violências veladas ou futuros desligamentos. Elas só fazem sentido se forem parte de um compromisso genuíno com a inclusão, o respeito e o pertencimento.”
Jenifer Zveiter, psicóloga e especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I)
Por que há poucos profissionais LGBTQIAPN+ no mercado?
Segundo pesquisa do Fundo Positivo em parceria com o Instituto Matizes, apenas 25% das pessoas LGBTQIAPN+ conseguiram emprego formal com carteira assinada nos últimos anos, ou seja, apenas uma em cada quatro pessoas da comunidade está inserida no mercado formal.
Esse número é significativamente inferior à proporção estimada da população LGBTQIAPN+ no Brasil, que, segundo o Datafolha, representa cerca de 7% da população nacional.
Profissionais LGBTQIAPN+ ainda são minoria no mercado de trabalho formal brasileiro devido a uma combinação de fatores estruturais, preconceito e barreiras institucionais. Mas então, por que mesmo com tantas vagas fazendo mapeamento de orientação sexual para ações afirmativas, ainda há discriminação no mercado?
Conforme explica a especialista em DE&I, “infelizmente, muitas empresas se apropriam da pauta da diversidade como estratégia de imagem, mas não enfrentam a rotina que sustenta a exclusão. A banalização das violências, a transfobia ‘recreativa’, os comentários velados e a falta de responsabilização, que continuam presentes no cotidiano e impedem a transformação real”.
Para ela, pessoas cis e héteros não tratam essas pautas com a seriedade necessária. E se não há representatividade nas lideranças, dificilmente será possível observar mudanças contundentes no mercado.
“A simples coleta de dados não garante mudança. Ela precisa estar conectada a metas, investimentos e à formação de lideranças diversas, especialmente trans e travestis”.
De acordo com informações da ANTRA, apenas 0,02% dessas pessoas tiveram acesso ao Ensino Superior, por isso, é necessário mais vagas afirmativas para garantir a inserção desses grupos minoritários no mercado de trabalho.
Além disso, 54% dos profissionais LGBTQIAPN+ não se sentem seguros para revelar sua orientação sexual no ambiente de trabalho, e 38% das empresas ainda impõem restrições quanto à contratação de queers (indivíduos cuja identidade de gênero ou orientação sexual não se encaixa nas normas cisgênero e heterossexuais tradicionais).
Para Jenifer, a ausência de um olhar interseccional também contribui para resultados ineficazes. Pessoas LGBTQIAPN+ negras, periféricas e trans continuam sendo as mais excluídas dos espaços de decisão, mesmo em ambientes com políticas de diversidade supostamente consolidadas.
De que forma a orientação sexual impacta oportunidades de crescimento profissional?
A especialista em DE&I e psicóloga explica que orientação sexual e a identidade de gênero ainda impactam, mesmo que de forma velada, mas na maioria das situações, explicitamente, o crescimento de profissionais queers.
“Mesmo com políticas de diversidade anunciadas, o ambiente corporativo costuma manter uma cultura conservadora e cis/heteronormativa, que exclui minorias dos espaços de decisão.”
Segundo a ANTRA, cerca de 70% das pessoas trans e travestis não haviam concluído o Ensino Médio, e o acesso ao Ensino Superior é ainda mais escasso. Com isso, a barreira para o acesso ao mercado de trabalho vai se acentuando, porque além da orientação sexual, há falta de escolaridade, de conhecimento técnico e de experiência no mercado.
“Sem ações estruturais para reparar essas desigualdades, a diversidade continuará sendo apenas uma ideia vazia no papel.”
A orientação sexual impacta na remuneração e carreira?
Apesar de não ser o cenário ideal, a orientação sexual ainda impacta diretamente a trajetória profissional, influenciando salários, promoções e oportunidades de desenvolvimento. E esse é um problema global!
No cenário internacional, um estudo da Human Rights Campaign Foundation mostrou que profissionais LGBTQIA+ nos Estados Unidos ganham, em média, 10% menos que outros trabalhadores: cerca de US$ 900 por semana, contra US$ 1.001 dos demais.
Essa diferença salarial é ainda maior para pessoas trans, não-binárias e intersexo, que recebem entre US$ 600 e US$ 700 por semana. O levantamento também destaca que fatores como discriminação e barreiras institucionais contribuem para essa desigualdade.
Já no Brasil, uma pesquisa publicada no periódico científico Journal of Population Economics revelou que, em média, pessoas heterossexuais recebem salários 6,8% maiores do que LGBTQIAPN+. Homens bissexuais ganham 10,3% menos do que seus pares heterossexuais, enquanto mulheres bissexuais recebem salários 5,1% menores que mulheres heterossexuais.
Além da desigualdade salarial, há desafios claros na progressão de carreira. A falta de um ambiente inclusivo afeta diretamente as oportunidades de promoção e desenvolvimento profissional para essas pessoas, levando muitas vezes ao empreendedorismo como alternativa diante da limitação de oportunidades em empresas tradicionais.
Mesmo em empresas que se dizem inclusivas, profissionais LGBTQIAPN+ relatam experiências de estagnação na carreira, designação para funções de menor prestígio e falta de reconhecimento, evidenciando a necessidade de políticas públicas e organizacionais mais efetivas para garantir equidade real no ambiente corporativo.
O que caracteriza uma cultura organizacional inclusiva?
Uma cultura organizacional inclusiva, segundo documentos globais oficiais, como a cartilha da ONU “Nascidos Livres e Iguais”, é caracterizada pelo compromisso com os princípios de igualdade e não discriminação, garantindo que todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, tenham seus direitos respeitados e possam exercer sua cidadania plenamente.
Essa cultura se manifesta na promoção ativa de ambientes seguros, equitativos e acolhedores, na adoção de políticas que proíbam qualquer forma de discriminação e na defesa das liberdades de associação, expressão e reunião pacífica para todos. E, para Jenifer, para ser verdadeiramente inclusiva, uma empresa precisa ir muito além de campanhas no Mês do Orgulho.
“Ela se expressa em políticas concretas, lideranças compostas por pessoas LGBTQIAPN+, ações afirmativas contínuas, escuta ativa e compromisso com a transformação cultural.”
Além disso, a cartilha destaca a importância de medidas concretas, como:
- A proteção contra violência e preconceito;
- A prevenção de práticas abusivas, salários menores e menos oportunidades de crescimento;
- A implementação de ações afirmativas que promovam a participação e o desenvolvimento de pessoas queer em todos os níveis da organização.
E para quem está em busca de uma nova oportunidade, a especialista dá uma dica. “Durante o processo seletivo, é possível observar o tipo de linguagem utilizada, a diversidade da equipe entrevistadora e se há abertura para falar sobre identidade de forma natural e respeitosa. Empresas realmente inclusivas não esperam o chamado ‘match cultural’, elas constroem uma cultura que respeita a pluralidade das pessoas. Respeita suas vidas e suas subjetividades.”
Como candidatos LGBTQIAPN+ podem se proteger?
“Infelizmente, isso ainda é uma realidade frequente. É importante, sempre que possível, reunir provas. Buscar apoio jurídico e relatar a situação em canais como o Ministério Público do Trabalho, Defensorias Públicas ou ONGs especializadas são formas de proteção.”
“Fortalecer redes de apoio entre profissionais LGBTQIAPN+ também é uma estratégia poderosa de resistência coletiva. Afinal, a luta por um mercado de trabalho mais justo exige respaldo institucional e jurídico”, esclarece a psicóloga e especialista em DE&I.
Além disso, para que a inserção de pessoas queer no mercado seja cada vez mais difundida e gere impactos positivos na comunidade, é necessário que diferentes posições hierárquicas sejam preenchidas com diversidade.
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