O recente “boom” dos bebês reborn ganhou destaque em diferentes veículos de mídia, nos assuntos do dia a dia, e até nos ambientes corporativos e jurídicos brasileiros.
Mais do que a curiosidade, o fenômeno levanta discussões sobre saúde mental, simbolismo, limites da vida e das decisões privadas, e os impactos que elas representam para as organizações.
Para o RH (Recursos Humanos), entender o contexto e as nuances de diferentes desafios e movimentos que surgem no dia a dia é essencial para lidar com demandas emergentes, promover o acolhimento e evitar decisões precipitadas diante de situações inéditas.
Mas o que fazer quando questões relacionadas à gestão de pessoas extrapolam o limite do que é socialmente aceito? Bora falar sobre isso!
O que é um bebê reborn?
Bonecos feitos à mão, com técnicas e materiais que buscam reproduzir com o máximo de realismo a aparência, o peso e até características físicas de recém-nascidos.
Os detalhes incluem a utilização de silicone ou vinil manipulados com o intuito de imitar a maciez e o toque característico da pele dos bebês, pintura em camadas para simular colorações e rubores específicos, cabelos implantados fio a fio, olhos hiper-realistas e acessórios típicos de recém-nascidos.
Existem versões simples e outras que ultrapassam os R$ 10 mil, dependendo do material, das técnicas utilizadas na produção e do grau de personalização.
Embora inicialmente criadas para colecionadores, essas bonecas também são usadas em outros contextos, que vão do apoio ao luto, à infertilidade ou à solidão.
Quando eles surgiram e por que viraram febre?
O conceito de “reborn” surgiu após a Segunda Guerra Mundial, quando mães inglesas passaram a restaurar bonecas para suas filhas diante da escassez de brinquedos, dando uma nova vida aos objetos.
Mas foi apenas nos anos 1980 que o movimento ganhou força, com artistas aprimorando técnicas para criar bonecas cada vez mais realistas. A popularização global, porém, veio com a internet e as redes sociais, que permitiram a formação de comunidades, o investimento em marketing e publicidade para o produto, além da viralização de conteúdos sobre o tema.
O atual “boom” se intensificou a partir de 2024, impulsionado por influenciadores digitais, celebridades e a lógica do engajamento nas redes. Casos polêmicos, como disputas judiciais por “guarda” de bonecas e pedidos de licença-maternidade para cuidar de reborns alimentaram o debate público e a curiosidade coletiva.

Bebês reborn são uma questão social ou efeito do algoritmo?
Embora existam aspectos sociais e emocionais legítimos, como a busca por conforto, pertencimento ou ressignificação de traumas, o “boom” dos bebês reborn foi amplificado pelos algoritmos das redes sociais.
Plataformas digitais identificam comportamentos e passam a recomendar conteúdos conforme a relevância que eles podem representar para os usuários de acordo com o que eles já consomem nas redes.
Como isso funciona?
A viralização de um conteúdo nas redes sociais acontece quando um vídeo, imagem ou tema é rapidamente compartilhado por um grande número de pessoas, alcançando uma audiência massiva em pouco tempo.
Isso acontece, principalmente, quando o conteúdo desperta emoções fortes, como humor, surpresa, inspiração, indignação ou identificação, e é relevante para o público-alvo. Elementos como originalidade, autenticidade, qualidade visual e facilidade de compartilhamento aumentam as chances de viralização.
Os algoritmos das plataformas monitoram o engajamento inicial (curtidas, comentários, compartilhamentos e tempo de visualização), e, ao perceberem uma resposta acima da média, ampliam o alcance do conteúdo para mais usuários.
O timing também faz a diferença: conteúdos que abordam tendências emergentes nas redes ou eventos atuais têm maior potencial viral. Por isso, nas últimas semanas, só se falou de bebês reborn, graças ao conjunto — relevância, engajamento, pauta em alta e muitos usuários interagindo e buscando conteúdos sobre eles.
Não é só marketing…
Os bebês reborn têm sido utilizados como ferramentas terapêuticas no processo de luto, especialmente por mulheres que passaram por perdas gestacionais, neonatais ou enfrentam o chamado “ninho vazio”.
Nesses contextos, os bonecos funcionam como um objeto transicional, permitindo que o enlutado expresse e reorganize a dor da perda de forma simbólica, promovendo conforto emocional e ajudando na elaboração do luto.
Segundo Winnicott, pediatra e psicanalista inglês que elaborou a Teoria do Objeto Transicional, eles atuam como elementos simbólicos que oferecem conforto emocional em momentos de separação ou ausência, funcionando como uma ponte entre o mundo interno e a realidade externa.
Embora o conceito tenha surgido para explicar o desenvolvimento infantil, sua aplicação clínica pode se estender a adultos em situações de luto ou trauma, como no caso do uso dos bebês reborn, que podem servir como apoio emocional e auxiliar na reorganização psíquica diante da perda.
Esse costume existe há séculos
Na Era Vitoriana (1837-1901), quando a mortalidade infantil era elevada, surgiram costumes específicos para lidar com a morte prematura de crianças e bebês, entre eles a confecção das chamadas “bonecas de luto”.
Elas eram modeladas à semelhança das crianças falecidas. Feitas de cera e preenchidas com areia para reproduzir o peso corporal, e elas também eram vestidas com as roupas infantis.
Detalhes como o uso de cabelos reais e a reprodução de traços faciais buscavam tornar as bonecas o mais realistas possível. As bonecas eram expostas durante cerimônias de despedida, colocadas sobre túmulos ou levadas para casa como lembrança física.
Em alguns casos, familiares continuavam a cuidar desses objetos, trocando roupas e mantendo-as em ambientes onde a família se reunia, como uma forma de perpetuar a presença simbólica da criança e auxiliar na elaboração do luto.
Como as práticas do âmbito privado afetam as organizações?
O avanço de práticas privadas para o espaço público e corporativo desafia as organizações a repensarem políticas, limites e novas formas de acolhimento.
Casos recentes de pedidos de licença-maternidade para cuidar de reborns, disputas judiciais e exposição de rotinas com bonecas, que podem chegar até os colegas de trabalho e virar piada ou causar desconforto entre as equipes, exigem um posicionamento do RH, tanto do ponto de vista jurídico quanto do cuidado com a saúde mental.
O setor deve estar preparado para:
- Diferenciar demandas legítimas de saúde mental de situações que requerem orientação ou encaminhamento especializado;
- Promover um ambiente de respeito e acolhimento, evitando julgamentos e constrangimentos públicos, mas também estabelecendo limites claros para benefícios e políticas trabalhistas;
- Investir em formação e sensibilização das lideranças para lidar com questões emocionais emergentes, capacitando-as para identificar demandas legítimas, sem ceder a pressões de viralizações ou “modas” digitais;
- Monitorar o impacto de costumes privados no clima organizacional, prevenindo conflitos, piadas e discriminação, e apoiando colaboradores em situações de vulnerabilidade emocional e psíquica.
A especialista em RH, Hélida Oliveira, explica que casos como o da profissional que solicitou licença maternidade para cuidar de um bebê reborn chamam muita atenção da mídia e das pessoas por serem atípicos e fugirem do senso comum, além de capturar uma situação que está em alta no momento e trazê-la para o ambiente de trabalho.

“Se olharmos com mais profundidade, a discussão sobre bebês reborn serve como um lembrete de algo maior: a saúde mental dos colaboradores precisa ser levada a sério, mesmo (ou principalmente) quando se apresenta de formas que fogem do esperado.”
Hélida Oliveira, especialista em RH
Hélida explica que situações como essa, por mais inusitadas que pareçam, fazem parte de um cenário comum. “Vivemos em ambientes profissionais onde é cada vez mais frequente a concessão de licenças relacionadas a transtornos mentais. Convivemos com pessoas reais, com histórias, traumas, pressões e limites, muitas lidando silenciosamente com depressão, ansiedade ou os resquícios de um burnout que foi impulsionado por anos de pandemia, isolamento, incertezas e sobrecarga.”
Vale ressaltar que, o caso da profissional que solicitou licença-maternidade pode não estar relacionado a uma questão de saúde mental, mas é um bom exemplo para ilustrar como, em alguns casos, as questões dos colaboradores podem ser identificadas de formas incomuns.
“Recentemente, essa conversa ganhou ainda mais legitimidade com a formalização dos fatores psicossociais como elementos de risco na NR-1, reforçando que não se trata apenas de uma pauta de bem-estar, mas de uma questão legal e de segurança no trabalho.”
Que tal se aprofundar no assunto? 📖Confira nosso e-book exclusivo sobre NR-1 e como adequar a empresa para atender as novas diretrizes.
Como as empresas devem agir no dia a dia?
A especialista explica que, na prática, significa que os times de gestão de pessoas precisam estar preparados para lidar com uma diversidade de contextos emocionais, conseguindo agir para além dos protocolos mais comuns, utilizando como pilar: empatia, escuta ativa e espaços seguros para o diálogo.
“Cuidar da saúde mental dos colaboradores vai além de oferecer benefícios. Está relacionada com a criação de uma cultura organizacional que acolhe, respeita e apoia as pessoas integralmente. Afinal, sabemos que o desempenho de uma empresa está diretamente ligado ao bem-estar das pessoas que fazem parte dela.”
Qual é a visão jurídica sobre bebês reborn?
Cláudio Riccioppo, especialista em carreiras com formação jurídica, comenta que o caso da profissional que pediu licença maternidade para cuidar de um bebê reborn, que foi massivamente comentado pela mídia e nas redes sociais, e movimentou o judiciário da Bahia, é um excelente exemplo de como temas pontuais podem viralizar, mesmo quando não refletem a realidade diária da gestão de pessoas nas empresas.
“É importante citar que, apesar de ter viralizado nas redes, essa situação poderia criar um precedente jurídico grave, e que na minha opinião, jamais deveria prosperar. Felizmente, a Justiça da Bahia agiu corretamente ao rejeitar a ação. Apesar de ser um assunto midiático, ele não reflete a realidade dos departamentos de recursos humanos e da gestão de pessoas.”
Ele explica que a maioria dos profissionais de RH lida com situações bem mais comuns no dia a dia: admissões, demissões, afastamentos por licença médica, conflitos entre equipes, avaliações de desempenho, treinamentos e outros, apesar de poderem surgir situações extraordinárias.

“Embora legítimo para a autora da ação, o vínculo emocional com bebês reborn não representa a norma jurídica e jamais poderia ter movimentado o judiciário; casos amparados na norma como de depressão pós-parto, ansiedade e estresse no trabalho são muito mais prevalentes e justos quando a discussão vai por esse caminho.”
Cláudio Riccioppo, especialista em carreiras com formação jurídica
Cláudio pontua que, apesar da estranheza desse caso, o RH deve saber lidar com sentimentos individuais e ter muito “tato”, mesmo com casos isolados e incomuns, sempre mantendo atenção às bases legais previstas em casos, como:
- Licenças variadas: gravidez, adoção, doença, acidente, licença paternidade, questões psicológicas e psiquiátricas, etc.
- Retorno ao trabalho: reintegração após afastamentos exige planejamento funcional e emocional.
- Pressão por metas e burnout: muitas empresas não mapeiam nem gerenciam isso eficientemente.
- Clima e conflitos: a gestão de equipes exige escuta ativa, mediação de conflitos e atenção ao engajamento dos colaboradores.
- Diversidade e inclusão: cada indivíduo é único em termos de gênero, orientação sexual, raça, contexto socioeconômico, habilidades e necessidades. E o RH deve trabalhar em prol de todas essas características, garantindo segurança e potencializando aptidões.
- Treinamento e capacitação: adaptar competências às necessidades do negócio, dos colaboradores que compõem a empresa, aos gaps de performance e às metas estabelecidas.
Como o RH deve lidar com questões incomuns?
“As pessoas não são robôs: reagem de forma diferente ao estresse, às perdas, mudanças e até ao status. O RH precisa ser estratégico para conduzir com sensibilidade situações comuns e eventos isolados, afastando os riscos jurídicos diante da tensão entre a legalidade e o cuidado humano.”
Para o especialista, algumas ações são muito importantes, por exemplo:
- Formar lideranças empáticas para tratar situações delicadas, identificando sintomas de exaustão precoce;
- Monitorar indicadores de saúde, turno, turnover, absenteísmo, clima e produtividade;
- Estabelecer protocolos e escalas para licenças e flexibilidades, respeitando legislação e o contrato de trabalho.
“O caso da boneca reborn foi apenas o estopim midiático de algo muito maior: a complexidade humana a que o RH é exposto diariamente. Muito além dos casos incomuns como este, a gestão de pessoas exige estratégia, equilíbrio entre regras e empatia, preparo para crises reais e atenção aos sinais sutis de que algo ou alguém não está bem. O RH deve estar pronto para o previsível e para o inesperado. O “boom” dos bonecos realistas revela a complexidade das relações humanas na era digital, em que tendências podem ser fabricadas por algoritmos e costumes privados rapidamente invadem o espaço coletivo”.
Por isso, para o RH, o desafio está em conciliar acolhimento, limites institucionais e preparo para lidar com novas demandas, sempre com olhar atento à saúde mental, à cultura organizacional e à responsabilidade social.
Assine nossa newsletter para ficar por dentro de mais assuntos relevantes para o RH!