Quando se fala em inclusão da comunidade LGBTQIA+ no mercado de trabalho, as ações vão muito além da contratação de pessoas não hétero-cis-normativas. Mas da sua plena integração à empresa, à promoção de um ambiente justo, com oportunidades igualitárias e segurança psicológica. Só assim existirá liberdade para ser quem são.

Contudo, ainda há muito a ser feito. Segundo a pesquisa Diversidade e Inclusão feita pela Great Place to Work (GPTW), apenas 8% das cadeiras de liderança das empresas são ocupadas por membros da comunidade LGBTQIA+. 

Por isso, no mês em que é comemorado o Dia do Orgulho LGBTQIA+ (28 de junho), o Blog da Alelo traz este conteúdo sobre os obstáculos e possíveis soluções, para juntos trabalharmos por mais inclusão e diversidade nas empresas.

Bora ler?

Apenas 8% das cadeiras de liderança das empresas são ocupadas por membros da comunidade LGBTQIA+

Os números falam

Em uma pesquisa encomendada pelo LinkedIn, feita entre os dias 6 e 20 de maio de 2022 e divulgada no mesmo ano, 40% do público LGBTQIA+ diz já ter sofrido algum tipo de preconceito no local de trabalho.

Também foi mostrado que 8 em cada 10 membros da comunidade LGBTQIA+ se sentem confortáveis para compartilhar sua identidade de gênero e/ou orientação sexual no ambiente de trabalho. Contudo, só 50% chegaram a abrir essa informação para toda a empresa.

Dentre os motivos para não compartilhar sua orientação sexual, estão:

  • 57% disseram que não viram necessidade em divulgar
  • 23% têm medo de impactos negativos no trabalho, e
  • 20% mencionaram o medo de represália

São pessoas que omitem, ou ainda, escondem seus relacionamentos, suas famílias, dos colegas com quem compartilham a maior parte do seus dias!

A mesma pesquisa revelou ainda que 47% dos entrevistados disseram que as empresas em que trabalham não promoviam ações de igualdade, ou que desconheciam ações nesse sentido.

E o resultado do silêncio frente ao preconceito é o aumento das situações de assédio, com “piadas” e comentários homofóbicos dominando as reclamações, que só aumentaram. O número de pessoas que disseram ter sofrido algum tipo de discriminação chegou a 43% dos entrevistados em 2022, contra 35% em 2019.

Consequentemente, qual o impacto de não se sentir seguro para ser quem você é?

Saúde Mental

A mesma pesquisa do LinkedIn mostrou que a comunidade LGBTQIA+ tem maior propensão a sofrer problemas de saúde mental (47%), se comparado com as pessoas que se identificam como heterossexuais e cisgêneros (21%).

Esse é o impacto da falta de ações por parte das empresas para combater o preconceito ou ainda integrar os membros da comunidade. Os dados são alarmantes:

  • 38% das empresas se preocupam com a saúde mental dos seus colaboradores
  • 35% não se preocupam e
  • 27% são indiferentes.

LGBTQIA+ no Mercado de Trabalho

Cerca de 72% do público em geral acredita que deveria haver punição para quem comete discriminação por causa da orientação sexual de seus colegas, e, mesmo no Brasil, onde a homofobia é considerada crime, 28% não concordam com a afirmação.

Percebe-se uma clara diferença de percepção entre os grupos. Na pesquisa, 75% dos integrantes da comunidade LGBTQIA+ disseram que o Brasil é um país homofóbico. Já entre os heterossexuais cisgêneros, o número é de 49%.

De acordo com Julio Moreira, Diretor Sociocultural do Grupo Arco-Íris, “segundo o Plano Nacional de Empregabilidade LGBTI+, a violência, a discriminação e o preconceito LGBTIfóbicos são responsáveis pela exclusão de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais do mercado formal de trabalho”.

Ele diz ainda que “uma pessoa não precisa ser necessariamente trans para sofrer esse processo de exclusão. Basta não performar um gênero, conforme a sociedade estipula, de acordo com seu sexo biológico. Assim, homens visivelmente afeminados e mulheres masculinizadas terão barreiras muito similares às pessoas trans. Por outro lado, uma mulher transexual que possui ‘passabilidade’, ou seja, é lida socialmente como uma pessoa cisgênera (que performa o gênero de acordo com seu sexo biológico), enquanto não for exposta como sendo uma pessoa trans, poderá ter maiores facilidades de acesso ao trabalho formal”.

Marcelo Ribeiro, consultor estratégico da EXEC
Marcelo Ribeiro, consultor estratégico da EXEC

Marcelo Ribeiro, consultor estratégico da EXEC, empresa especializada na seleção e desenvolvimento de lideranças, segue a mesma linha de raciocínio. “Quanto mais as pessoas LGBT são discretas em relação à sua orientação sexual ou à sua expressão de gênero, mais elas são aceitas. Então, se parecerem uma pessoa cis hétero, a resistência é menor”.

Naturalmente, o impacto social de não ser aceito no mercado de trabalho é muito alto!

Um levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revela que 90% da população Trans já esteve no mercado da prostituição por não conseguir acessar o mercado formal de trabalho.

Trans no Mercado de Trabalho

A mesma pesquisa encomendada pelo Linkedin diz que 45% dos entrevistados afirmaram nunca terem trabalhado com uma pessoa trans.  77% dizem sentir falta de representatividade de profissionais transgêneros no mercado de trabalho. Quando se considera pessoas da comunidade LGBTQIA+, o número sobe para 84%.

“As queixas para pessoas trans são que muitas vezes existe resistência para contratação e para a inclusão de fato no ambiente. As pessoas ficam sem saber como lidar com a questão dos banheiros e poucos espaços estão preparados para receber pessoas trans” diz Marcelo.

Ele ainda completa: “é muito comum pessoas trans terem medo de ir aos toaletes e receberem represália, violência e olhares intimidadores. Todas essas queixas passam pela história das pessoas trans e é por isso que muitas delas estão nas ruas e se prostituem. Não conseguem se inserir no mercado de trabalho. Então elas estão pedindo cada vez mais oportunidades e as poucas que conseguem se desenvolver estão estudando, estão tentando batalhar para poder se preparar. Mas o que acontece é que muitas pessoas trans foram expulsas de casa quando começaram a se assumir trans, o que prejudicou no desenvolvimento educacional e profissional”.

Em 2016, um levantamento realizado com pessoas trans atendidas pelo Programa Transcidadania, da Prefeitura de São Paulo, apontou:

  • 71% afirmaram ter parado de estudar com mais de 15 anos de idade,
  • 24% entre 11 e 14 anos, e
  • 5% entre 7 e 11 anos.

A transfobia foi o motivo da evasão dos estudos por 45% das pessoas, 33% por razões de trabalho e 17% por conflitos familiares.

Agora imagine que, em muitos casos, se tratam de crianças e adolescentes que acabam sofrendo bullying e não encontram o apoio familiar para lidar com estas situações, a ponto de abandonar a escola.

E a violência continua na vida adulta.

Julio Moreira conta que pessoas trans, ainda que inseridas em trabalhos formais, podem passar por situações que acionam gatilhos que comprometem diretamente sua produtividade, como:

  • Impedimento de acesso ao banheiro, baseado numa prerrogativa biologicista e não conforme sua identidade de gênero autoatribuída;
  • Invasão de sua privacidade com perguntas e questionamentos sobre seu corpo, sexualidade e relacionamentos;
  • Desrespeito ao uso dos pronomes e artigos de acordo com o seu gênero autoatribuído (ela, ele, a, o, etc) e/ou ao uso do nome social em crachás, documentos da empresa e/ou na interação com superiores e outros colegas de trabalho;
  • Imposição do uso de uniformes que não correspondem à identidade de gênero autoatribuída da pessoa trans, ou limitação de acessórios ou adereços que demarcam sua expressão de gênero.
  • Isolamento ou preterimento em ambientes ou atividades sociais que envolvam o corpo de funcionários de uma empresa, como uma festa de confraternização de final de ano, aniversários, etc;
  • Cobrança maior de resultados em relação a outros funcionários que desempenham as mesmas função;
  • Assédio moral;
  • Assédio sexual;
  • Escalonamentos em plantões, diárias e/ou horários mais insalubres e com pouca flexibilidade de mobilidade ou permuta em relação aos funcionários cisgêneros;
  • Falta de credibilidade que aquela pessoa é capaz de assumir um papel de liderança e ter oportunidade de promoções para cargos de maior responsabilidade e remuneração;
  • A falta de suporte e acolhimento por parte do RH, superiores ou colegas numa situação de discriminação no ambiente da empresa, seja esta oriunda de outros funcionários, clientes, fornecedores ou colaboradores;
  • A omissão na oferta e inclusão em benefícios oferecidos ao trabalhadores cisgêneros, como planos de saúde familiar, etc;
  • dentre outras situações de tratamento diferenciado, consciente ou inconsciente.
Como uma empresa pode ser mais inclusiva?

Heterossexuais cisgêneros e LGBTQIA+ nas Empresas

Aproximadamente 60% dos heterossexuais cisgêneros dizem trabalhar com alguma pessoa da comunidade LGBTQIA+. Desses 60%, pelo menos 53% já presenciaram ou ouviram falar de alguma situação de discriminação devido à orientação sexual ou à identidade de gênero deles. As situações mais comuns foram: xingamentos, piadas e comentários inapropriados. 

Mas, mesmo com a convivência, percebe-se uma distância entre a percepção das pessoas heterossexuais cisgêneros, e a realidade de quem sente o preconceito na pele todos os dias.

Isto porque 69% das pessoas acredita que as empresas em que trabalham apoiam a diversidade e colocam em prática ações para a promoção da igualdade. Já entre a comunidade, esse número cai para 53%.

Com isso percebe-se que ainda existe muito trabalho a ser feito para a plena inclusão.

Como uma empresa pode ser mais inclusiva?

A educação e o conhecimento são as chaves para quebrar preconceitos.

Marcelo Ribeiro fala que “quanto mais preparada e conhecedora as pessoas são sobre qualquer perfil diverso, aí elas ficam mais abertas e mais flexíveis para contratar essas pessoas diferentes do padrão escolhido historicamente”.

O Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, que atua desde 2013, aponta os 10 Compromissos da Empresa com os Direitos LGBTI+:

  1. Comprometer-se – presidência e executivos – com o respeito e a promoção dos direitos LGBT
  2. Promover igualdade de oportunidades e tratamento justo às pessoas LGBT
  3. Promover um ambiente respeitoso, seguro e saudável para as pessoas LGBT
  4. Sensibilizar e educar para o respeito aos direitos LGBT
  5. Estimular e apoiar a criação de grupos de afinidade LGBT
  6. Promover o respeito aos direitos LGBT na comunicação e marketing
  7. Promover o respeito aos direitos LGBT no planejamento de produtos, serviços e atendimento aos clientes
  8. Promover ações de desenvolvimento profissional de pessoas do segmento LGBT
  9. Promover o desenvolvimento econômico e social das pessoas LGBT na cadeia de valor
  10. Promover e apoiar ações em prol dos direitos LGBT na comunidade

O Diretor Sociocultural do Grupo Arco-Íris acrescenta que “a sociedade reconhece ainda o corpo trans como um corpo marginal, violento, doente e reativo. Dentro de uma ótica capitalista, em que a imagem da empresa e a experiência positiva do cliente falam mais alto, muitos empregadores hesitam em contratar pessoas trans que não passaram por um processo de ‘higienização’, refletida numa aparência mais sóbria e comportamentos cordiais”.

Sensibilizar, ensinar e treinar são pontos mandatórios nessa jornada, avalia Marcelo. “Essas iniciativas podem abordar questões como vieses inconscientes, preconceito, linguagem inclusiva, estereótipos e microagressões. Existem muitos casos de profissionais que não sabem como abordar um membro da comunidade LBGTQIA+ por falta de conhecimento, o que muitas vezes pode ser feito por meio de um interesse genuíno, perguntando como a pessoa gostaria de ser chamada. Isso demonstra um forte respeito pelas diferenças”. 

“A diversidade e inclusão devem ser prioridade e fazer parte dos valores fundamentais da empresa, estabelecendo metas claras e demonstrando seu compromisso por meio de ações concretas. E a liderança deve liderar pelo exemplo e envolver-se ativamente em iniciativas de diversidade e inclusão”, completa Marcelo.

O que esperar para o futuro?

Ribeiro acredita que o cenário de diversidade e inclusão da comunidade LBGTQIA+ será mais promissor no futuro. “Cada vez mais as empresas estão reconhecendo os benefícios de promover um ambiente inclusivo e diverso. Acredito que haverá maior representatividade desse grupo, a inclusão será feita de forma genuína, com um aumento do envolvimento dos líderes. A diversidade e inclusão devem ser vistas como uma estratégia de negócios essencial para impulsionar a inovação, a competitividade e o sucesso no longo prazo”, conclui.

O exercício pleno da cidadania inclui o direito à educação e a condições de acesso a empregabilidade e renda. A discriminação estrutural tem consequência direta no acesso à educação, na formação técnica e profissional, nas oportunidades para empregabilidade e geração de renda, na moradia e na saúde física e mental. É preciso fortalecer as ações dirigidas ao enfrentamento dos diversos obstáculos que pessoas LGBTI+ encontram para obter formação escolar e profissional e para se colocarem no mercado de trabalho”, finaliza Julio.

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