O crescimento exponencial das apostas esportivas online, conhecidas como “bets”, tem se tornado uma preocupação crescente para as organizações brasileiras.
Com um volume mensal de movimentação entre R$ 18 e 21 milhões durante 2024, conforme dados do Banco Central, esse fenômeno está gerando impactos significativos nas finanças pessoais dos trabalhadores e no ambiente corporativo.
Vem com a gente entender a extensão disso!
O que são as “bets”?
Bets são plataformas de apostas esportivas online, que nos últimos anos se tornaram extremamente populares no Brasil.
Conforme dados do InfoMoney, as apostas esportivas foram liberadas no país em dezembro de 2018, com a previsão de que algum tipo de regulamentação fosse feita em até quatro anos.
Por isso, foi a partir desse período que o “boom” das casas de apostas pôde ser percebido, tanto nas propagandas de televisão, no futebol e na internet quanto na vida particular de algumas pessoas.
Significado
O termo “bet” vem do inglês e significa “aposta”, palavra que faz jus a atividade feita nessas plataformas, em que os usuários podem apostar em resultados de eventos esportivos antes das partidas acontecerem.
O prêmio é proporcional ao valor apostado, com uma cota fixa e, embora as bets ofereçam oportunidades de ganhos, é fundamental utilizá-las com responsabilidade, porque elas são riscos potenciais à saúde financeira e mental quando usadas de forma excessiva ou irresponsável.
Regulamentação
Apesar do prazo máximo estipulado em 2018, que seria até 2022, a regulamentação prevista para as bets aconteceu no segundo semestre de 2024.
A Lei 14.790 entrou em vigor em 2023, estabelecendo regras claras para a operação das casas de apostas no país, mas foi no ano seguinte que muitas de suas disposições e regulamentações começaram a ser implementadas.
Essas medidas, além de proteger os consumidores, também têm o objetivo de gerar receitas significativas para o governo.
Dados da Associação Nacional de Jogos e Loterias divulgados pela Agência Brasil estimam que o mercado regulado possa movimentar mais de R$ 20 bilhões em 12 meses, com uma potencial arrecadação de até R$ 10 bilhões para os cofres públicos já no próximo ano.
A regulamentação também busca combater operações ilegais, com a Anatel recebendo pedidos para bloquear sites de apostas irregulares.
O que a lei das bets não prevê?
Apesar de regulamentar a atividade das casas de apostas e estabelecer algumas medidas de proteção, a legislação das bets ainda apresenta lacunas no que diz respeito ao tratamento e à prevenção da ludopatia.
Esta é uma condição caracterizada pelo vício em apostas e jogos de azar, reconhecida pela OMS e, no Brasil, pelo CID 10-Z72.6 (mania de jogo e apostas) e 10-F630 (jogo patológico).
Ela se refere à compulsão por apostas, um problema de saúde mental que pode causar sérias consequências financeiras, profissionais, sociais e psicológicas.
Lacunas
Apesar de a regulamentação brasileira proibir alguns facilitadores para o vício, como o uso de cartões de crédito, e estabelecer algumas restrições publicitárias, ela não aborda de forma abrangente o tratamento especializado para pessoas que desenvolvem dependência em jogos.
E a falta de uma abordagem mais robusta para lidar com os impactos negativos do vício em apostas, como: depressão, endividamento e até mesmo suicídio, deixa uma lacuna importante na proteção dos apostadores mais vulneráveis.
Para o economista e líder de mercado de capitais do Grupo Crowe Macro Brazil, Ricardo Rodil, já é possível analisar o impacto da ludopatia sob variados aspectos.
“Quando olhamos o contexto macroeconômico, o vício em jogos promove transferências de riqueza sem a criação de um produto ou serviço. Com isso, a moeda em circulação acaba aumentando, mas não há um aumento correspondente nos bens e serviços disponíveis na sociedade.”
Ricardo Rodil
Rodil ressalta que, apesar dos aspectos macroeconômicos, os efeitos mais problemáticos se produzem na microeconomia, ou seja, na conduta de uma série de agentes econômicos.
Então, quando concentramos a atenção no indivíduo, agente econômico básico, e na empresa onde ele trabalha, é possível afirmar que:
“Quem entra em sistemas de apostas está esperando um ganho imediato, desproporcionalmente alto em relação ao montante apostado. É a antítese de qualquer sistema de poupança tradicional: caderneta, fundos de investimentos, renda fixa ou variável e por aí afora. E resulta óbvio supor que as pessoas que tendem a cair nestas armadilhas, sejam aquelas que estão passando por necessidades ou que estão endividadas além do que seria razoável em função das suas rendas.”
Problemas organizacionais relacionados
Quando pensamos nos impactos do vício em apostas para um colaborador, as consequências são variadas, assim como os efeitos negativos que podem atingir tanto o profissional quanto a empresa e as equipes.
Dentre os riscos mais conhecidos estão:
- Queda na produtividade;
- Tendência a faltas e afastamentos;
- Impactos negativos no clima organizacional;
- Saúde física e mental dos colaboradores afetadas.
E o que o economista considera mais importante sob o ponto de vista da empresa, o risco potencial de fraudes cometidas pelos profissionais que enfrentam a ludopatia e suas consequências.
Ricardo explica que, quando falamos sobre fraude, devemos considerar que existem três elementos comuns intrínsecos ao contexto:
- Pressão: quando as circunstâncias pessoais do fraudador o impelem a cometer a fraude;
- Oportunidade: quando as características do local e do cargo no trabalho possibilitam o cometimento desse ato;
- Racionalização: aspecto mais pessoal, configurado pela necessidade do fraudador em “explicar” ou “justificar” o crime perante sua consciência.
Em consequência desses aspectos, para o economista, as empresas devem se preocupar com a criação e manutenção de condições internas que coíbam atos fraudulentos ou que contribuam para que, uma vez cometida, sinais de alerta sejam acionados e medidas cabíveis sejam tomadas.
“No âmbito organizacional, o desenho, implantação e operação de um sistema de controles internos eficaz e focado na diminuição das oportunidades de crimes contra a empresa, é ponto primordial.”
Ele ainda reforça que, adicionalmente às medidas protetivas, a organização pode promover eventos e programas de educação e de conscientização, para manter um ambiente de trabalho que valorize o bem-estar dos funcionários, o que compreende tanto os aspectos financeiros quanto emocionais.
Impactos das bets no desempenho profissional
Conforme pontuado anteriormente pelo economista Ricardo Rodil, o vício em apostas, que também abrange games como os caça-níqueis para celular, está emergindo como um problema sério nas empresas brasileiras.
E o impacto desse vício na saúde mental dos trabalhadores já deve ser um alerta para os RHs.
Conforme um estudo feito pelo Instituto Locomotiva, 51% dos brasileiros que apostam relatam um aumento nos sintomas de ansiedade.
Além disso, 42% dos apostadores usam essa atividade como uma fuga ilusória das dificuldades cotidianas, aprofundando sensações de impotência e isolamento.
Esse cenário de estresse e ansiedade pode levar a:
- Diminuição da concentração e qualidade do trabalho;
- Aumento de conflitos interpessoais no ambiente profissional;
- Maior propensão a erros e acidentes.
Esses problemas são perceptíveis logo no início?
Conforme explica a Especialista em Desenvolvimento Humano, Beatriz Nóbrega, o primeiro sinal é a mudança de comportamento do funcionário.
“Caso ele tenha adquirido essa condição ao longo de sua jornada na empresa, colegas e gestores tendem, em um primeiro momento, a suspeitar do comportamento do profissional, que, por conta do vício nas bets, se distrai com frequência, passa muito tempo falando sobre o tema ou em aplicativos e sites de jogos analisando a movimentação das apostas, o que gera a perda do foco nas tarefas e prazo.”
Como consequência, toda a área em que a pessoa está diretamente envolvida passa a ser afetada, uma vez que a baixa performance nas entregas reflete na sobrecarga de colegas de equipe, reforça a especialista.
“Outro ponto muito comum é a desmotivação do time, que vê neste profissional uma peça na engrenagem que não está performando.”
Contudo, Beatriz explica que essa é uma situação delicadíssima e merece toda a atenção dos gestores.
“Ao notar que o profissional está apresentando mudanças em seu comportamento e performance, é importante haver uma conversa franca entre liderança e liderado ou com os pares, levando em conta a dificuldade em identificar o problema que esse funcionário está vivendo. Aliás, muitas vezes nem a própria pessoa adicta sabe que está passando por esse desafio.”
Beatriz Nóbrega
Segundo ela, é imprescindível que o gestor leve a questão ao time de Recursos Humanos, que terá mais conhecimento e vivência para lidar com a situação.
Desafios organizacionais ocasionados pelas bets
Além dos impactos sobre o clima interno, performance e humores dos profissionais devido às cobranças por resultados, há outros desafios que as empresas podem acabar enfrentando com o adoecimento mental e endividamento de um colaborador.
Conforme explica Beatriz Nóbrega, as dificuldades econômicas geradas pelo vício podem levar a empréstimos entre colegas, criando tensões interpessoais e prejudicando a colaboração na equipe.
Além disso, eles podem buscar aumentos salariais ou adiantamentos devido a problemas econômicos gerados pela ludopatia, criando tensão com a liderança e o RH.
“Por outro lado, caso a empresa atenda a pedidos financeiros de um colaborador com comportamento vicioso, outros funcionários podem sentir que estão sendo tratados de forma desigual, impactando o humor da equipe.”
Ou seja, essa é uma questão que pode gerar um potencial ciclo de insatisfações, que envolvem tanto a remuneração quanto a incapacidade de resolver questões financeiras, podendo levar os funcionários a buscarem novas oportunidades e gerando custos relacionados ao turnover.
Por que o endividamento dos profissionais deve ser uma preocupação?
A especialista em Desenvolvimento Humano explica que, um colaborador com dívidas é menos eficaz no trabalho e afeta, consequentemente, a área onde está inserido.
E uma vez que a área não esteja entregando resultados esperados, a empresa perde sua performance e isso vira uma “bola de neve”.
“Levanto aqui uma questão pouco discutida: um profissional endividado está trabalhando em seu limite, o que implica, muitas vezes, ultrapassar barreiras éticas e de compliance da empresa onde atua, podendo até recorrer a comportamentos antiéticos, ilegais ou criminosos, como favorecimento de fornecedores, roubo de dados, fraude ou desvio de dinheiro. Esse comportamento pode prejudicar a reputação da empresa, impedindo, inclusive, que ela participe de concorrências, licitações, entre outros.”
Por isso, é tão importante para o RH conhecer bem cada um dos colaboradores, e isso só é possível por meio de lideranças humanizadas e diligentes e uma equipe de Recursos Humanos presente no dia a dia dos profissionais.
Dados e estudos
Também conversamos com a Pesquisadora, Professora de Pós-graduação e Especialista Lina Nakata, uma das responsáveis pela Pesquisa FIA – Lugares Incríveis para Trabalhar, que compartilhou alguns dados sobre o endividamento e como ele impacta as empresas.
- 12,2% dos trabalhadores têm dívidas fora de controle;
- 53,6% das pessoas têm dívidas planejadas;
- 22,6% dos trabalhadores conseguem poupar dinheiro.
Segundo a pesquisadora, esses números causam um impacto significativo na percepção salarial.
“Pessoas com dívidas fora de controle percebem o ambiente de trabalho e sua jornada profissional como 10,6% pior. Essa percepção negativa está associada à falta de comprometimento com a organização, o que naturalmente afeta a satisfação com o salário. Mesmo que o sistema de remuneração garanta equidade, indivíduos endividados avaliam seus salários como 52% menos satisfatórios em comparação aos colegas que conseguem poupar.”
Para ilustrar essa disparidade, os dados mostram uma diferença significativa na percepção salarial entre poupadores e endividados.
“Profissionais que poupam têm uma favorabilidade de 77% em relação à justiça do salário recebido, enquanto aqueles com dívidas apresentam apenas 51% de favorabilidade.”
Lina Nakata
Essa diferença de 26 pontos percentuais destaca o impacto substancial que a situação financeira pessoal exerce sobre a satisfação salarial dos colaboradores, e o vício em bets está se tornando um dos principais fatores de endividamento no país.
Ações preventivas e de suporte
Conforme Lina Nakata explica, as empresas precisam adotar uma abordagem proativa para lidar com o problema do endividamento e do vício em apostas entre seus colaboradores.
Primeiramente, é necessário implementar programas de educação financeira para todos os funcionários, com foco especial naqueles que já enfrentam dívidas, particularmente as relacionadas ao vício em bets.
Em segundo lugar, ela destaca que é essencial que as organizações abordem esse assunto de forma mais aberta e transparente.
“Embora muitas empresas evitem discutir temas sensíveis como este, a amplitude do problema em todo o país justifica a necessidade de capacitação nessa área. Isso é especialmente importante para os líderes, que precisam estar preparados para identificar e prevenir situações problemáticas.”
Lina salienta que o desafio persiste, em grande parte, devido ao marketing intensivo no setor de apostas.
Influenciadores digitais e patrocínios têm um papel significativo na perpetuação desse problema, tornando ainda mais difícil para as pessoas resistirem à tentação de apostar.
Ela ainda traz um overview da situação no âmbito organizacional, “gestores de RH têm relatado problemas crescentes relacionados ao impacto do vício em apostas nas equipes. Muitos líderes se sentem despreparados para lidar com essas situações, não sabendo como abordar o assunto ou resolver os conflitos resultantes, o que pode levar a um efeito “em cadeia” dentro da organização.”
Alternativas de prevenção
Diante desse cenário, as empresas precisam adotar medidas para prevenir e lidar com os problemas relacionados às apostas online, a partir de:
- Programas de apoio psicológico: oferecendo aconselhamento confidencial e tratamento especializado para colaboradores que enfrentam problemas com apostas.
- Ambientes de trabalho saudáveis: cultivar uma cultura organizacional que promova o bem-estar emocional e o diálogo aberto sobre desafios pessoais.
- Políticas claras e ações preventivas: estabelecer diretrizes sobre o uso de dispositivos pessoais durante o expediente e promover campanhas de conscientização sobre os riscos das apostas.
- Treinamento para líderes: capacitar gestores para identificar sinais de alerta e oferecer suporte adequado aos colaboradores afetados.
Agir proativamente perante esses desafios é uma forma de proteger tanto a empresa quanto os demais colaboradores, mantendo o ambiente de trabalho saudável e produtivo.
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E para uma visão geral sobre desafios e expectativas corporativos, confira nosso conteúdo sobre as prioridades na construção do RH versão 2025.
O papel dos benefícios
O PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador) foi criado em 1976, com o objetivo de incentivar a iniciativa privada a contribuir com a segurança alimentar e nutricional dos seus funcionários.
E a concessão de benefícios alimentares nunca esteve tão atual. Em meio a um cenário de endividamento dos profissionais e baixa educação financeira, o vale alimentação e refeição ganham uma importância ainda maior. Já que o valor disponibilizado tem seu uso restrito à compra de itens alimentícios, garantindo a alimentação básica de muitas famílias.
E atenção, oferecer o vale não está limitado apenas às empresas aderentes ao PAT. Negócios de todos os tamanhos podem recorrer à Alelo para apoiar seus colaboradores nesta jornada rumo a uma vida mais equilibrada. E já sabe né? Saúde física e mental são imprescindíveis para uma maior produtividade e engajamento.
Vem saber mais!