Conviver com o preconceito é uma realidade diária de praticamente todos os que se reconhecem dentro das diferentes identidades de gênero e orientações sexuais do espectro LGBTQIAPN+. E o mercado de trabalho, em muitos momentos, não foge à regra quanto à intolerância com indivíduos que estão fora do padrão heteronormativo.

Apesar de nos últimos anos ter havido maior debate sobre a visibilidade e a representatividade de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexos, assexuais, pansexuais e demais perfis no ambiente organizacional, em muitos momentos ainda são observados julgamentos superficiais que são baseados em estereótipos e ferem a dignidade, limitam oportunidades, geram insegurança na relação com colegas e lideranças, entre outras questões, como apontam os dados a seguir:

  • 54% das pessoas LGBTQIAPN+ não sentem segurança no ambiente de trabalho, segundo pesquisa realizada pela consultoria Mais Diversidade;
  • 53% de profissionais que atuam no mercado conhecem alguém que sofreu preconceito no trabalho por se identificar em outra orientação sexual, de acordo com levantamento desenvolvido pela Travessia – Estratégias em Inclusão;
  • Apenas uma em cada quatro pessoas dessa comunidade conseguiu um emprego formal com carteira assinada no ano de 2023, segundo o estudo “Inclusão Econômica e Geração de Renda da População LGBTQIA+ no Brasil”, do Instituto Matizes;
  • Apenas 8% das lideranças de empresas são LGBTQIAPN+, aponta levantamento “Diversidade e Inclusão (D&I)”, da consultoria global Great Place To Work (GPTW);
  • O mesmo estudo expõe ainda que 38% dos pansexuais e 24% dos homossexuais afirmaram ter sofrido alguma discriminação, assédio ou intimidação no trabalho. Entre os heterossexuais o número é de 12%.

E tão tóxico quanto o desrespeito e a desvalorização dessas pessoas é o “rainbow washing”. Também conhecida como pinkwashing, essa prática é relacionada a uma série de ações superficiais realizadas de modo oportunista por empresas, marcas ou instituições, especialmente em junho, no Mês do Orgulho.

No rainbow washing, ao mesmo tempo em que se utilizam das cores do arco-íris em produtos e campanhas publicitárias voltadas ao público LGBTQIAPN+ para despertar empatia junto a essa fatia populacional, nos bastidores essas empresas não apresentam políticas de diversidade e inclusão que proíbam qualquer forma de discriminação por orientação sexual, identidade ou expressão de gênero

Continue a leitura e bora lá se aprofundar nesse assunto.

Ações de inclusão: como o RH pode ajudar?

Ir além de ações simbólicas e não cair na armadilha do rainbow washing se mostra cada vez mais necessário para empresas que querem promover um ambiente diverso e inclusivo. No entanto, é preciso que o RH se coloque como uma peça-chave nesse sentido.

Mas antes de qualquer movimentação é necessário avaliar qual o papel do RH na organização: focado em departamento pessoal, em estratégia de pessoas e cultura ou em Desenvolvimento Humano e Organizacional (DHO)?

Segundo ela, a intenção precisa estar de acordo com a estrutura oferecida a esse time, que pode não ter conhecimento técnico para implementar esse programa ou não contar com apoio externo de lideranças e demais colaboradores, resultando apenas em algo decorativo e sem representatividade genuína. 

“A criação de uma política ou qualquer outro instrumento de governança corporativa deve ser o resultado de um trabalho prévio, no qual as pessoas e as áreas compreenderam e assimilaram o tema. Uma política de DE&I vem como uma ratificação do que a empresa ou organização tem como prática, e não o contrário. Uma boa diretriz deve vir acompanhada de um plano estratégico de implementação e monitoramento”, argumenta a representante da Travessia. 

Para conscientizar sobre o impacto direto na produtividade, saúde mental e crescimento profissional que a desigualdade causa, leia o e-book “Empatia, flexibilidade e resultados: o papel do RH frente a diversidade no ambiente corporativo”.

Produzido especialmente pela Alelo, com este e-book você vai descobrir como o RH pode (e deve) ser protagonista na construção de ambientes mais diversos, justos e produtivos. Cadastre-se aqui gratuitamente e baixe agora.  

Oportunidades para pessoas LGBTQIAPN+: a decisão precisa ser consciente

Processos de Recrutamento e Seleção em muitos casos são apontados como enviesados e discriminatórios, com denúncias de triagens de currículos que podam as chances para mulheres, 50+, jovens, negros, PCDs, e demais representantes de públicos minoritários no ambiente corporativo.

Vini Michelucci explica que existem algumas ferramentas e soluções de mercado, como processos de recrutamento às cegas, otimização de filtros para buscar pessoas de grupos minorizados e bancos de talentos plurais, mas nenhuma destas ferramentas é efetiva se a tomada de decisão não for consciente por parte de quem comanda as empresas.

“O RH pode adotar soluções inovadoras e tecnológicas, mas no final do dia a decisão da liderança é o que garante que a pessoa candidata seja contratada. E mais que isso, que essa pessoa seja desenvolvida e receba oportunidades equitativas para o seu aprimoramento pessoal e profissional”.

Representatividade em cargos de liderança: como promover?

A importância da representatividade LGBTQIAPN+ e de outros grupos minoritários em cargos de liderança é um tema também em alta no ambiente corporativo, como demonstrado pelo painel “Não quero ser líder!”, realizado no CONARH 2024

Para Vini Michelucci, o assunto é interessante e de resposta complexa, pois ao falar de representatividade é preciso evitar cair na chamada “armadilha da identidade”, com referência à literatura de Asad Haider

“Em síntese, esta armadilha parte da seguinte premissa: ‘Quando uma pessoa trans estiver no cargo de… Teremos representatividade’, ‘Quando uma mulher negra estiver no cargo de… Teremos representatividade’, ‘Quando uma pessoa com deficiência estiver no cargo de… Teremos representatividade’”, analisa. 

Segundo ela, a crítica é justamente não medir a representatividade apenas como um símbolo (token) de pessoas de grupos minorizados que alcançaram uma posição relevante como exceção, e com obstáculos e competitividade injusta e precária.

“O argumento excludente de ‘se eu consigo, você também consegue’ é reforçado se a organização não possuir uma estrutura real e estratégica que sustente a inclusão e garanta oportunidades equitativas, inclusive para acesso aos cargos de liderança”, adverte Vini. 

O conceito sintetizado de representatividade, segundo a porta-voz da Travessia, é quando, além de ocupar um espaço, a pessoa defende as necessidades e dá visibilidade às experiências de seu grupo. 

O objetivo nesse caso é implementar ações práticas de inclusão, usando da posição de liderança com poder de decisão, para promover mudanças reais e significativas.

“Analisar o indivíduo apenas a partir de seus marcadores sociais (gênero, raça etc.), de forma descolada do seu pensamento crítico, interesses e consciência de sua própria identidade e do grupo ao qual representa, é raso. Sejam elas lideranças de organizações, políticas, sociais ou meramente pessoas de influência em mídias sociais”, sinaliza Vini. 

Ambiente seguro para colaboradores LGBTQIAPN+

A segurança psicológica é ferramenta essencial para a sustentação de um ambiente de trabalho inclusivo e livre de assédio moral

Entretanto, explica Vini Michelucci, a figura da segurança psicológica não deve ser analisada apenas sob o aspecto da DE&I, mas também relacionada a diversos processos organizacionais, incluindo:

Ela traz como referência a pesquisa “Experiências LGBTQIAPN+ no ambiente de trabalho” conduzida em 2024 pela Travessias, que indicou que:

  • 30,26% dos profissionais LGBTQIAPN+ já desistiram de buscar suporte dos canais internos da sua empresa ou organização por não acreditar que os problemas reportados serão resolvidos;
  • 51,32% acreditam que as pessoas que realizam gestão e atendimento dos canais de reclamação internos da empresa não são sensibilizadas e capacitadas para endereçar assuntos sobre a LGBTfobia;
  • 42,11% acredita que a organização não está preparada para acolher denúncias ou reclamações de pessoas LGBTQIAPN+.

“Estes dados nos orientam a compreender que é essencial a capacitação dos profissionais que fazem gestão de denúncias, o aprimoramento dos meios de recepção e o fortalecimento da confiança entre empresa e colaborador”, diz Vini. 

Comitês de diversidade na consolidação de políticas inclusivas

A estruturação de comitês de diversidade é uma das principais estratégias na consolidação de políticas inclusivas nos ambientes corporativos.

Mas para que elas funcionem realmente, com autonomia e impacto concreto nas decisões, é preciso que sejam constituídas com papéis claros e regimento interno que aponte as devidas responsabilidades. Do contrário, alerta, se tornam grupos de discussão, que não promoverão ações práticas conectadas às necessidades da empresa.

“A autonomia de um comitê tipicamente sempre terá mecanismos de monitoramento e instâncias de aprovação que garantirão que as ações propostas estejam alinhadas com a estratégia da empresa, inclusive no que se refere a despesas orçamentárias. A pluralidade de pessoas, incluindo diversidade de marcadores sociais, é importante para somar a um comitê, mas não é um fator decisivo para a composição de um órgão estratégico”, afirma Vini Michelucci.

Grupos de Afinidade Alelo: promovendo o respeito

Como uma maneira de abordar significativamente a pauta da inclusão e diversidade, indo bem além do discurso que não agrega, a Alelo promove os Grupos de Afinidade. Além da rede LGBTQIAPN+, atualmente são os seguintes grupos:

  • Afrolelos: conscientização e representatividade racial;
  • Corpos: diálogos sobre padrões e combate à gordofobia;
  • Gerações: valoriza a convivência entre diferentes gerações com respeito e singularidades;
  • Pertencer: busca a inclusão da pessoa com deficiência (PcD) na empresa;
  • S.E.R (Sororidade, Empoderamento e Respeito – Grupo de Mulheres): estimula a transformação do papel social das mulheres com maior equidade e representatividade.

A criação dos Grupos de Afinidade na Alelo surgiu como parte da consolidação do programa de diversidade, equidade e inclusão iniciado em 2019, chamado inicialmente de TODES e, mais recentemente, renomeado para NÓS, com foco em linguagem inclusiva.

Ela traz como exemplo o grupo LGBTQIAPN+, que tem como propósito promover o respeito à diversidade sexual dentro e fora da empresa. “A ideia é construir um ambiente interseccional, empático e seguro, onde todas as pessoas possam ser quem são”.

A gestão é estruturada por meio de uma squad de diversidade, formada por líderes dos Grupos de Afinidade, que foram treinados por uma consultoria especializada e gerida pelo time de Ambiental, Social e Governança (ASG), com encontros fixos que acontecem de forma quinzenal, a fim de proporcionar intersecção entre os grupos. 

“Essa governança define papéis, escopos e planos de ação para cada um dos grupos que são geridos por líderes e colíderes eleitos pelos integrantes, todos atuando de forma voluntária”, detalha. 

Os grupos atuam com autonomia e protagonismo, mas com suporte contínuo do Time de Gente e da área de ASG, que operam como facilitador e patrocinador, garantindo recursos, visibilidade e integração das ações com a cultura organizacional

“Os encontros são focados em abrir momento de escuta, acolhimento e planejamento de ações de letramento, a partir das discussões internas, para toda a empresa”, diz Marina.

Envolvimento da liderança e o impacto na cultura organizacional

O envolvimento da liderança é ativo e estratégico, com a participação de eventos de letramento, como palestras sobre liderança inclusiva e viés inconsciente, reforçando o papel de exemplo e influência positiva.

Um exemplo é a promoção de mentorias cruzadas, que em 2024 reuniu pessoas LGBTQIAPN+ e líderes (incluindo membros da comunidade), fortalecendo o vínculo entre diversidade e desenvolvimento de carreira. 

“A Alelo foi uma das primeiras empresas a realizar uma mentoria direcionada para a comunidade”, conta a responsável pela gestão dos processos dos Grupos de Afinidade.

O impacto na cultura organizacional é medido por meio de censos corporativos, realizados de forma bianual, indicadores de inclusão (como respeito, pertencimento, equidade e participação) e metas específicas por grupo, os OKRs (Objetivos e Resultados-chave), do NÓS.

“A percepção de respeito da comunidade LGBTQIAPN+ foi de 8,1 pontos em abril, com metas de evolução contínua e aplicação de pesquisa de forma trimestral para continuar medindo o sentimento e respeito dentro dos grupos”.

Além disso, segundo Marina, o grupo LGBTQIAPN+ conta com OKR específico, que visa identificar, por meio da autodeclaração, todas as pessoas que fazem parte da comunidade, visando entender, principalmente em números, o tamanho da comunidade dentro da Alelo.

“Mesmo quem não participa diretamente dos grupos é envolvido por meio de ações abertas a todos, como semanas temáticas (Mês do Orgulho), happy hours, rodas de conversa, palestras e campanhas de comunicação. Essas ações promovem educação, empatia e engajamento coletivo, contribuindo para uma cultura mais inclusiva e consciente”, detalha Marina.

“A existência dos grupos é essencial”

Líder do Afinidade LGBTQIAPN+ da Alelo, Gabriela Garcia di Martino conta ter entrado no grupo por meio de uma indicação de um colega de trabalho, movida pelas ricas trocas de experiência entre os participantes. “Estava em um momento da vida que precisava de acolhimento, então achei que seria o lugar ideal para isso”.

Segundo ela, a existência dos grupos é essencial, pois é ali dentro que conseguem gerar ações, engajar pessoas, acolher e compartilhar experiências, sejam elas boas ou ruins.

Ela conta de uma experiência durante os encontros que a marcou muito. O assunto delicado, relacionado ao medo que pessoas cisgênero em frequentar o mesmo banheiro que transgêneros, foi levado por Gabriela após ver uma reportagem e gerou uma discussão profunda. 

“Não foi uma conversa fácil, pois existem pessoas que são aliadas e a única forma de vivência com a comunidade é através de nós, LGBTs do grupo. Acho que os ensinamentos também vêm de conversas difíceis e elas são necessárias para escancarar esse medo irracional”, conta.

“Foi uma discussão importante para entender que não basta nós trazermos nosso ponto de vista baseado em achismos. Precisamos trazer dados e fatos para pautarmos nossa opinião. E é isso que nós estamos fazendo, com acolhimento e maturidade”, ressalta.

Para Gabriela, o preconceito ou o afastamento de temas que envolvem a diversidade é uma perda sem tamanho para as empresas. 

“Quando você não é aceito no seu ambiente de trabalho, não consegue se sentir seguro. Se não se sente seguro no ambiente de trabalho, não consegue crescer profissionalmente. Os Grupos de Afinidade trazem segurança e enriquecimento. Abraçar as experiências dos outros nos dá a ideia de ações importantes que precisamos desenvolver no ambiente de trabalho”, afirma.

Ainda segundo a representante da Alelo, quando não se posicionam como inclusivas, as empresas perdem um nicho muito específico, uma vez que “hoje em dia, um consumidor deixa de consumir o seu produto por você não compactuar com os ideais dele”.

“Por fim, eu gosto sempre de lembrar que a isenção de posicionamento das empresas também é uma forma de posicionamento”, complementa Gabriela.

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