A demissão por compliance ocorre quando um funcionário viola as políticas internas, regulamentações ou padrões éticos estabelecidos pela organização e precisa ser desligado.
Ela pode ser enquadrada nas “demissões por justa causa”, que têm apresentado um aumento significativo nos últimos anos.
Dados indicam que, apenas em janeiro de 2024, foram registradas 39.511 demissões por justa causa no Brasil, o maior número desde o início da série histórica em 2004. Esse número representa um aumento de 25% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Fevereiro de 2024 também seguiu com números elevados, totalizando 35.667 demissões por justa causa, número 25,9% maior se comparado com fevereiro de 2023.
Vem com a gente entender o que configura uma demissão por compliance!
Qual o significado do termo?
O termo “compliance” tem origem na língua inglesa, derivando do verbo “to comply”, que pode ser traduzido como “obedecer” ou “estar em acordo”.
No contexto organizacional, compliance faz referência à prática de garantir que uma empresa esteja operando em total conformidade com leis, regulamentações, políticas internas e padrões éticos.
Isso envolve a implementação de sistemas, processos e treinamentos para assegurar que todos os funcionários, desde a alta administração até os níveis mais operacionais, estejam cientes e sigam, rigorosamente, todas as normas estabelecidas.
O objetivo principal do compliance é promover uma cultura de integridade, transparência e responsabilidade dentro da organização, mitigando riscos legais, reputacionais ou de ações que beneficiem terceiros.
O que configura uma demissão por compliance?
Conforme explicou o advogado especializado em direito do trabalho e suas correlações com o direito previdenciário, Arthur Felipe Martins, “um desligamento por compliance, pode ser tanto uma demissão por justa causa quanto sem justa causa, que tem como fundamento a violação às normas internas da empresa, que definem o que a organização entende como conduta correta ou incorreta”.
Ele esclarece que, para que a dispensa seja considerada uma questão de compliance, o profissional envolvido precisa, necessariamente, ter sido previamente apresentado a um regulamento interno.
“Normalmente, esse conhecimento prévio é comprovável por escrito e a demissão ocorre quando existe uma violação grave ao código de conduta interno. Mas, antes de o desligamento do profissional ser efetivado, o descumprimento em questão precisa ter sido apurado em um procedimento interno, uma espécie de sindicância administrativa, para comprovar a infração ao regulamento.”
Arthur Felipe Martins, advogado especializado em direito do trabalho e suas correlações com o direito previdenciário
Matins afirma que todo esse processo possui um rigoroso caráter investigativo e de documentação de provas, fundamental para justificar e validar uma demissão por compliance, garantindo que a empresa aja de forma justa e em conformidade às políticas internas e com a legislação trabalhista.
Por que nem todo caso é classificado como “justa causa”?
Uma demissão por compliance pode ser motivada por diversas situações, incluindo:
- Violação do código de conduta da empresa;
- Descumprimento de leis e regulamentos aplicáveis ao negócio;
- Práticas antiéticas ou fraudulentas;
- Assédio moral ou sexual;
- Conflitos de interesse não divulgados;
- Uso indevido de informações confidenciais.
E, para configurar este tipo de demissão, geralmente é necessária uma investigação interna que comprove uma violação grave das normas estabelecidas.
Quais as diferenças entre compliance e justa causa?
“Compliance” faz referência ao conjunto de normas, políticas e procedimentos internos de uma empresa, enquanto a “justa causa” é uma modalidade específica de demissão prevista na legislação trabalhista.
Embora as duas modalidades possam ser aplicadas em conjunto, nem sempre uma violação de compliance configura uma justa causa legal.
Requisitos legais da justa causa
Para configurar uma demissão por justa causa, a infração deve se enquadrar em uma das hipóteses previstas no artigo 482 da CLT, como: ato de improbidade, incontinência de conduta ou violação de segredo da empresa.
E nem todas as violações de compliance necessariamente se encaixam nessas categorias específicas.
Gradação das penalidades
As empresas geralmente adotam uma abordagem progressiva nas punições por violações de compliance, principalmente quando os atos são considerados “mais leves”, que podem incluir advertências, suspensões ou ajuste no escopo de trabalho antes de efetuar uma demissão.
A justa causa, por outro lado, é considerada a “pena máxima” no âmbito trabalhista e requer uma infração grave o suficiente para justificar a rescisão imediata do contrato, além disso, é necessário que o profissional seja contratado a partir do regime da CLT e que haja provas que justifiquem essa modalidade de demissão.
Proporcionalidade
Os tribunais trabalhistas frequentemente avaliam se a penalidade aplicada foi proporcional à infração cometida.
Uma violação de compliance pode ser considerada insuficiente para justificar uma demissão por justa causa, especialmente se for um primeiro incidente ou uma infração menos grave.
Esse é o principal motivo para que nem todo desligamento por compliance seja também uma justa causa.
Proteção ao trabalhador
O objetivo da legislação trabalhista brasileira é proteger os profissionais, por isso, uma justa causa é considerada uma medida excepcional.
Assim, os tribunais costumam analisar com cautela os casos de justa causa, exigindo provas contundentes de uma infração grave.
Por isso, antes de optar por essa modalidade, a empresa deve instaurar uma investigação que colete provas suficientes para justificar essa decisão.
Investigação interna e procedimentos
Para efetuar uma demissão por justa causa, é necessário seguir procedimentos específicos, que garantam a imediatidade da punição e a proporcionalidade da pena.
A imediatidade exige que o empregador aja rapidamente após tomar conhecimento da falta grave, geralmente em questão de dias, não meses, para evitar o chamado “perdão tácito”, que acontece quando há uma demora na aplicação da penalidade e, por isso, considera-se que o empregador “aceitou” a ação como algo que não é passível punição.
Já a proporcionalidade requer que a punição seja adequada à gravidade da falta, seguindo uma gradação de penalidades que normalmente inclui advertência, suspensão e, só então, demissão por justa causa.
Por que esses procedimentos são necessários?
Esses princípios foram definidos pela lei trabalhista para equilibrar o poder disciplinar do empregador com os direitos do trabalhador, assegurando que a justa causa seja aplicada apenas em situações realmente graves e imediatas.
O descumprimento desses requisitos pode levar à invalidação da justa causa pela Justiça do Trabalho, obrigando o empregador a pagar todas as verbas rescisórias como se fosse uma demissão sem justa causa, além de possíveis multas e indenizações.
Já as demissões por compliance podem seguir procedimentos internos da empresa, que nem sempre atendem aos requisitos legais da justa causa, tornando o desligamento do profissional uma “demissão sem justa causa motivada por compliance”.
Demissão sem justa causa em casos de compliance
Muitas empresas optam por realizar demissões sem justa causa mesmo em casos de violações de compliance graves, para evitar possíveis litígios trabalhistas.
Isso permite que a empresa encerre o vínculo empregatício de forma mais amigável, mesmo que o motivo subjacente esteja relacionado ao descumprimento de normas internas.
Porque, embora violações de compliance possam levar à demissão, a caracterização como justa causa depende de fatores adicionais e do cumprimento de requisitos legais específicos.
E, em muitos casos, pode ser mais seguro para as empresas encerrar o contrato de trabalho na modalidade sem justa causa, evitando assim potenciais disputas judiciais futuras relacionadas à falta de provas contundentes ou à dificuldade de comprovar legalmente a justa causa.
Essa decisão também protege a reputação da empresa e reduz o risco de reversão da demissão por justa causa na Justiça do Trabalho, o que poderia resultar em custos adicionais e obrigação de reintegração do funcionário.
Por que o descumprimento às regras internas é tão grave?
Segundo a advogada especializada em Direito Trabalhista, Márcia Cleide Ribeiro, “quando ocorre o descumprimento de regras de compliance, há uma extrema gravidade em razão dos severos riscos que esse fato representa à saúde e à estrutura da governança corporativa”.
Ela salienta que, conforme a natureza do descumprimento, podem ocorrer repercussões severas à reputação, operacionalidade, finanças e imagem geral da organização no mercado.
“Se no interior de uma organização persiste a ruptura sistemática das regras de compliance, há uma fragilização severa da cultura organizacional, da mesma forma em que ocorre uma vulnerabilização ao vazamento de dados, fraudes e diferentes cenários que podem ser graves para a credibilidade da empresa, trazendo consequências como multas, perda de licenças, riscos de mercado e mesmo perda da operacionalidade.”
Márcia Cleide Ribeiro, advogada especializada em Direito Trabalhista
O cumprimento das normas de compliance, conforme explica a advogada, é visto como uma indicação positiva de resiliência organizacional, o que indica uma maior capacidade de recuperação em crises.
Por isso, o maior problema ocasionado por essas rupturas do código é o enfraquecimento da cultura ética da empresa, que acaba ficando vulnerável e com a competitividade no mercado comprometida, especialmente em mercados regulados.
Márcia também explica que, “quando há quebra de compliance, diferentes deveres legais são descumpridos, o que coloca a empresa e os responsáveis em possibilidade de responsabilização em diferentes esferas, que podem desencadear um efeito dominó em que vários litígios são simultaneamente acionados, indicando a convergência presente entre danos materiais e morais, entre condutas éticas e conformidade com a credibilidade e consistência organizacional”.
Impactos para o profissional que descumpriu normas de compliance
Conforme dito pela Márcia Cleide Ribeiro, os impactos financeiros para o profissional que descumpre normas de compliance podem ser significativos, dependendo da modalidade de demissão aplicada.
Se a violação das políticas internas, normas ou legislações referentes à conduta legal e ética da organização resultar em uma demissão por justa causa, conforme previsto no artigo 482 da CLT, o colaborador enfrentará consequências financeiras mais severas.
Nesse caso, o profissional perde o direito a benefícios como aviso prévio, multa de 40% sobre o FGTS e seguro-desemprego.
Por outro lado, se a empresa optar por uma demissão sem justa causa, mesmo em casos de violação de compliance, o impacto financeiro para o profissional será menor, pois ele manterá o direito às verbas rescisórias normais.
No entanto, independentemente da modalidade de demissão, o descumprimento de normas de compliance pode afetar negativamente a reputação profissional do indivíduo, potencialmente dificultando futuras oportunidades de emprego e progressão na carreira.
Problemas mais graves em casos de justa causa
Márcia reforça que essa modalidade de demissão só pode ocorrer se houver a comprovação de que o empregado de fato cometeu a ruptura das normas ou políticas normatizadas e conhecidas.
“Nesses casos, a empresa tem o direito de realizar a cobrança desses aspectos no intuito de coibir práticas ilícitas (dever jurídico fiscalizatório). A demissão por compliance, de modo geral, somente é válida no momento em que a penalidade aplicada ao funcionário for compatível com a gravidade da falta cometida (proporcionalidade), respondendo a uma dosimetria adequada entre interesses organizacionais e direitos trabalhistas.”
Impacto na carreira do profissional
Um desligamento por compliance traz sérios danos à imagem profissional e, no caso de figuras públicas, como visto recentemente com um âncora da maior emissora de televisão do país, esse dano é potencializado pela exposição pessoal associada a questões de credibilidade institucional, conforme explica a Márcia.
“Se a demissão atinge a difusão na mídia quanto à sua natureza, o prejuízo decorre da exposição quanto à conduta profissional contrária a aspectos éticos ou legais de um espaço em que trabalhava, afetando sua marca pessoal, o que consequentemente pode reduzir as oportunidades de mercado.”
Ela também explica que, mesmo que não haja uma condenação judicial, uma demissão por essa razão pode refletir como indicativo antiético de conduta.
“A associação de profissionais a escândalos, sobretudo se figuram pessoas públicas cuja imagem é construída na relação com o coletivo, podem ocasionar crises de imagem complexas quanto à resolução e mesmo difíceis de serem revertidas.”
Por isso, a advogada salienta que é comum que empresas evitem contratações que estejam associadas a um risco reputacional elevado, principalmente após exposições midiáticas.
Empresas podem tornar o motivo de uma demissão público?
Para Arthur Felipe Martins, ver a notícia de que o desligamento do âncora foi fundamentado em uma violação ética, ou seja, imputar o delito à pessoa, foi uma surpresa e, segundo ele, essa é uma coisa grave por si só.
“Via de regra, uma demissão, ainda que feita por justa causa, não deve ser exposta ao público e tampouco comunicada. Portanto, anunciar aos quatro ventos que foi realizado um desligamento devido a uma violação ética, é infringir uma violação à imagem do ex-funcionário.”
Isso porque, a partir do momento em que essa informação se torna pública, o profissional vai ser conhecido como alguém demitido por seu caráter antiético.
Vamos supor que essa situação aconteça em menor nível e, ao invés de anunciar publicamente o motivo da demissão, o RH fizesse uma anotação na carteira de trabalho do ex-colaborador que a demissão dele foi por justa causa.
Conforme explica Arthur “esta anotação já daria direito a uma indenização para o empregado. Desconheço se o regime de contratação do jornalista que virou notícia nos últimos dias, era um regime CLTista ou se era um contrato PJ. Mas, se estivermos falando de um vínculo empregatício que segue as normas da CLT, é possível pensar se esse tipo de exposição não dá direito a uma indenização, porque ainda que a empresa tenha dito que não vai comentar o assunto, ela já declarou que houve uma infração ética”.
Na sua opinião, cabe ao jornalista entrar com uma ação devido à exposição de informações que não deveriam ter se tornado públicas ou a empresa agiu corretamente?
Fique de olho na próxima edição da nossa newsletter e descubra!