Uma espécie de bússola para as organizações, o propósito corporativo é mais umas das questões que vem na linha da transformação do debate sobre gestão de pessoas.
No contexto atual de novos modelos de negócios, em que estão pautadas a valorização de tópicos como cultura organizacional, employee experience, felicidade corporativa, saúde mental e as práticas ESG., ambicionar somente o lucro desmedido se mostra um erro decisivo.
Ao se confrontar – ou mais ainda, ser confrontado por parceiros, clientes, stakeholders e colaboradores – a respeito disso, a resposta corporativa precisa ser um propósito inspirador, autêntico e que gere valor para todos ao redor.
Sem isso, há sérios riscos de dificuldades de engajamento, altos índices de turnover, baixa retenção de talentos e inflexibilidade, um quadro que é um filme de terror para qualquer gestão.
O estudo “Panorama das Carreiras 2030: o que esperar das profissões até o fim da década?”, realizado pela TOTVS em parceria com a H2R Insights & Trends, aponta que encontrar um ambiente com propósito ajustado com crenças e valores pessoais é um atributo valorizado por 33% dos profissionais na escolha do lugar para trabalhar.
Por estar relacionada a uma nova forma de enxergar a carreira, o RH precisa ser decisivo dentro desse alinhamento do propósito corporativo. Mas como?
Para entender mais essa relação, convidamos para um bate-papo Daniella Soncine, especialista em desenvolvimento humano e organizacional e diretora da consultoria Basis Desenvolvimento, e Daniel Santa Cruz, diretor da Santo Caos, consultoria especializada em cultura organizacional.
Bora lá?
Busca por propósito: fator decisivo para muitos profissionais
Uma pessoa com propósito é alguém que tem clareza sobre aquilo que a motiva e direciona suas escolhas e ações. Mais do que ter uma meta, ou seja, saber onde quer chegar, essa pessoa sabe por que quer chegar lá.
No âmbito profissional, não é diferente. Estar em uma organização em que veja refletido seus valores faz enorme sentido em um momento em que o pertencimento tem se tornado algo da primeira prateleira das prioridades para profissionais que querem contribuir de maneira genuína.
Para Daniel Santa Cruz, da Santo Caos, a necessidade de encontrar sentido e pertencimento naquilo que se faz não é algo novo para a humanidade, pois temos vários exemplos de espaços de sentido e pertencimento para uma coletividade, como religião, identidade nacional, grupos de práticas esportivas, etc.
Segundo ele, o trabalho tem passado a ocupar cada vez mais esse papel, seja pelo espaço e importância que ele ganhou na nossa vida, seja pelo tempo e energia que dedicamos a ele.

“Atualmente, ao menos nas grandes metrópoles, as famílias são menores, vivemos mais fechados em condomínios e com menos contato até mesmo com nossos vizinhos. Então é natural que o trabalho passe a ocupar esse espaço de socialização e pertencimento nas nossas vidas.”
Daniel Santa Cruz, diretor da consultoria Santo Caos.
Daniella Soncine, da Basis Desenvolvimento, coloca nesse sentido o atual momento pós-pandemia de transformações intensas, marcada por um período de aceleração tecnológica e transformações sociais.
“Passamos por uma ressignificação de valores, fazendo com que muitos profissionais repensassem suas prioridades, questionando não apenas o que fazem, mas principalmente por que fazem. O propósito deixou de ser um luxo para se tornar um guia, especialmente para as novas gerações que buscam um maior sentido e pertencimento”, afirma.
É a partir disso que as organizações precisam se recolocar como um lugar em que as pessoas querem trabalhar não apenas pelo básico (salários ou cargos), mas por uma conexão emocional.
“O propósito deixou de ser um luxo. É ele quem alinha esforço com sentido, performance com identidade”, continua Daniella.
Em relação ao posicionamento dos gestores e líderes nesse momento de relevância do propósito corporativo, Daniel, da Santo Caos, explica que é benéfico para as partes envolvidas quando se enxerga no trabalho algo além de cumprir uma função e receber um pagamento em troca.
“O senso de construir algo relevante, de ter valores compartilhados, de pertencer a um grupo, tudo isso faz bem para as pessoas. E a empresa que consegue construir esse espaço de pertencimento e propósito também tende a ter melhores resultados”, avalia.
Daniella observa que muitas empresas ainda falham no envolvimento das lideranças em iniciativas mais robustas de evolução cultural. “Cultura é o que vivemos no dia a dia, reflexo das nossas atitudes e comportamentos que são reforçados e não do que está escrito nas paredes da empresa”, aponta.
Segundo ela, as organizações que estão lidando melhor com esse desafio são aquelas que compreenderam que propósito não se impõe, mas se constrói.
“E essas iniciativas começam com uma liderança consciente, capaz de conectar a estratégia do negócio com os valores culturais, alinhar metas com sentido e promover um ambiente onde as pessoas se sintam pertencentes”.
Como o propósito fortalece a marca empregadora?
O propósito tem o poder de potencializar a marca empregadora e torná-la mais atrativa para os talentos do mercado, especialmente em relação à profissionais da Geração Z e Millennials, conhecidos por priorizarem experiências mais imediatas, ter motivação e autonomia.
Segundo Daniella Soncine, para essas gerações, o propósito proporciona um maior nível de engajamento, tão importante quanto a remuneração ou o plano de carreira. “Eles querem pertencer a algo maior do que a descrição do cargo”, define.
Já Daniel Santa Cruz vai um pouco além de possíveis contrastes geracionais. Segundo ele, é claro que o momento histórico em que esses grupos entraram no mercado de trabalho molda muito dos seus comportamentos e preferências, “mas isso é muito mais um estereótipo do que uma regra geral”.
Desse modo, analisa o diretor da Santo Caos, ao receber a proposta de além de receber um bom salário, bons benefícios e oportunidades de crescimento, também ter algum senso de propósito ligado ao trabalho, é alta a probabilidade que um profissional de idade mais elevada ver isso com bons olhos
Ele faz a mesma ponderação em relação a jovens periféricos que, segundo revelado em uma pesquisa, buscam sim propósito no trabalho, mas antes de tudo, pretendem ter um salário e benefícios atrativos para poderem contribuir financeiramente em casa.
“Então, vemos que a realidade socioeconômica de cada grupo tem muito mais peso do que a geração à qual a pessoa pertence”, considera o diretor da Santo Caos.
Ter um senso maior de propósito no trabalho não era visto como uma possibilidade, ou pelo menos, como algo que as empresas se preocupavam, continua Daniel. Porém, a partir do momento que essa possibilidade aparece como algo concreto, é natural que as pessoas tenham essa expectativa.
“Todo mundo quer gostar do que faz e quer pertencer a um grupo. A década em que uma pessoa nasceu não muda isso, na minha opinião”.
Engajamento e produtividade: respostas para o propósito corporativo
Pilares fundamentais para o sucesso e a sustentabilidade das empresas, engajamento e produtividade são vistos cada vez mais como resultados de um ambiente no qual colaboradores percebem propósito em suas funções.
Segundo estudo da Harvard Business Review, profissionais satisfeitos com o local de trabalho são 31% mais produtivos, 85% mais eficientes e 300% mais inovadores.
De acordo com Daniella Soncine, não há dúvidas de que um propósito claro e verdadeiro atua como um catalisador do engajamento e produtividade, pois oferece direção e ajuda aos profissionais para enxergarem valor real naquilo que fazem, especialmente em momentos de pressão ou incerteza.

“Quando as pessoas entendem como o seu trabalho contribui para algo maior, elas se conectam de forma mais profunda com a organização. Isso gera mais motivação, mais autonomia e mais colaboração. O que antes era apenas tarefa, passa a ter significado traduzido em ação”.
Daniella Soncine, diretora da consultoria Basis Desenvolvimento.
Há, ainda, total relação entre o sentimento de pertencimento despertado pelo propósito e a saúde mental dos colaboradores.
“O propósito tem um papel importante na saúde mental. O Brasil é hoje um dos países com mais casos de ansiedade, burnout e depressão no mundo e, nesse contexto, saber ‘por que fazemos o que fazemos’ se torna uma âncora emocional”, explica Daniella.
Daniel Santa Cruz traz um olhar sobre o pertencimento como o antídoto da solidão. Ele revela uma pesquisa do neurocientista John Cacioppo que demonstrou uma relação direta entre a solidão e a depressão.
“Ele perguntou aos participantes do estudo quanto eles se sentiam solitários, numa escala de 0% a 100%; e uma das conclusões foi que, se você se sente 65% solitário, suas chances de desenvolver sintomas depressivos aumentam em oito vezes”.
“Ou seja, se o propósito bem alinhado e comunicado é capaz de gerar pertencimento e unir pessoas em torno de objetivos mais claros (e de fato é), então ele também gera efeitos positivos para a saúde física e mental das pessoas”, continua o diretor da Santo Caos.
Veja aqui o e-book especial que preparamos sobre a atualização da Norma Regulamentadora 1, a NR-1, que estabelece a gestão de riscos psicossociais, fatores no ambiente de trabalho que podem prejudicar a saúde mental e o bem-estar dos colaboradores.
A comunicação do propósito durante o Recrutamento & Seleção
Durante o processo de Recrutamento & Seleção e também após isso, no onboarding, a comunicação do propósito precisa ser realizada de maneira transparente. Do contrário, problemas de alinhamento devem surgir em um prazo bem mais curto do que se gostaria.
Daniella Soncine vê o processo seletivo quando bem conduzido como um ponto de conexão cultural. Para ela, mais do que avaliar competências técnicas e comportamentais, é preciso nesse momento checar se há um alinhamento dos valores organizacionais com os valores do candidato.
“Essa conexão se inicia nas plataformas de recrutamento com informações claras sobre a vaga e o que é esperado em termos de comportamentos, perguntas de triagem alinhadas ao fit cultural e entrevistas com foco em valores”, determina.
A cultura real de uma empresa é aquela que é vivida todos os dias, explica Daniel, seja ela formalizada ou não pela organização. “Se o propósito está bem alinhado e presente nas comunicações da empresa, sejam internas ou externas, a chance de sucesso na contratação é muito maior”, argumenta.
Segundo ele, muitas organizações buscam imprimir parte de sua cultura na chamada Employee Value Proposition (EVP, ou Proposta de Valor ao Empregado em português).
“Essa proposta de valor é o que irá nortear a comunicação da empresa quando ela busca por talentos, e se o talento se conecta a essa proposta, que por sua vez está conectada ao propósito, é natural que o pertencimento seja despertado mais facilmente”, afirma.
O diretor da Santo Caos ainda liga um sinal de alerta sobre como processo seletivo já é parte da jornada do colaborador, pois esse deve ser um procedimento coerente com a cultura organizacional.
“Imagine uma empresa que se diz super inovadora e ágil, mas que realiza um processo seletivo burocrático, com dezenas de etapas que se arrastam durante meses? É uma incoerência que enfraquece a cultura e a percepção dos talentos sobre ela”, indica.
Sobre o onboarding, ele diz ser um “ritual de passagem” que precisa ser visto com intencionalidade, passando as mensagens que aquela cultura deseja passar.
“Imagine agora se a organização se diz extremamente acolhedora, mas a pessoa recém-contratada não é bem recebida pelo time e se sente isolada. É outra incoerência, pois onde está o acolhimento que foi prometido?”, ressalta Daniel.

Como evitar erros na definição de um propósito?
O principal erro é “tratar o propósito como um slogan publicitário”, avalia Daniella. Para a diretora da consultoria Basis Desenvolvimento, muitos propósitos são bem escritos, mas mal vividos.
Outro erro comum é criar o propósito exclusivamente no topo da hierarquia, sem ouvir quem carrega a cultura no dia a dia.
“Para que o propósito seja legítimo, ele precisa emergir da identidade organizacional. Esse trabalho parte de um diagnóstico entendendo onde a empresa está, o que ela valoriza, quais são seus objetivos estratégicos e o que precisa ser feito para chegar onde deseja”, enumera.
Daniel coloca como uma falha a tentativa de “emplacar” um propósito que não dialoga com o que acontece no dia a dia da organização. Ele ainda indica que é preciso que as altas lideranças estejam envolvidas, sendo embaixadoras ativas desse propósito e dessa cultura.
“É o famoso liderar pelo exemplo: as pessoas respondem melhor ao exemplo do que a uma frase bonita estampada na parede”, afirma.
Desse modo, explica Daniel Santa Cruz, a cultura da empresa precisa também se manifestar em todos os seus procedimentos, regras, políticas e processos.
“Para a área de RH, é muito importante pensar em como traduzir o propósito e a cultura nos processos de gestão de pessoas”, salienta.
Mas qual a melhor maneira de construir um propósito que dialogue? Segundo Daniella, um ponto de partida é a utilização de um conjunto de ferramentas como o assessment do Barrett Values Centre (BVC), que permite um mapeamento dos valores individuais, valores atuais e desejados da cultura organizacional.
Esse diagnóstico oferece uma leitura precisa dos alinhamentos, tensões e incoerências que impactam diretamente a performance coletiva.
“A partir desse mapeamento, é possível criar estratégias e ações que reflitam a cultura que se deseja vivenciar e o propósito nasce integrado a essa jornada”, explica a diretora da Basis Desenvolvimento.
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