Uma das maiores convicções do mercado de trabalho em décadas passadas, a valorização de construir uma carreira inteira durante anos dentro de uma mesma empresa, utilizando-se do esforço e da paciência, nos últimos tempos, começou a ser vista como uma experiência um pouco menos vantajosa.
Uma prova dessa que pode ser chamada de “era das mudanças” é o resultado da pesquisa “Guia Salarial – Tendências Candidatos e Empresas 2025”, realizada pela consultoria Michael Page, em que 51,4% dos entrevistados afirmaram que estão ativamente buscando um novo emprego.
O restante da pesquisa tem a seguinte ordem: os que não estão procurando (27%), os que pretendem mudar de emprego dentro de um ano (13,5%) e aqueles que planejam a mudança em seis meses (8,1%). Assim, a mudança de emprego está nos planos de 73% dos participantes da pesquisa.
As motivações? De acordo com a mesma pesquisa, a remuneração se destaca como a principal motivação para 86,5% dos profissionais entrevistados, mas questões como o modelo de trabalho flexível (híbrido ou remoto) e benefícios adicionais aparecem em seguida, demonstrando que a valorização profissional vai além do salário.
Essa atual forma de enxergar a carreira, obviamente, traz sérios impactos às empresas e a gestão de pessoas precisa lidar com esses colaboradores que deixaram no passado a máxima de “vestir a camisa da empresa” para sempre e a qualquer custo.
Especialista em orientação profissional e consultora de carreira, Michelle Navarro explica como essa reviravolta aconteceu e liga o alerta para as empresas que não se adaptarem o mais rápido possível aos tempos modernos.
Bora lá entender mais?
Antes: carreira linear e de longa direção
Até pouco tempo atrás, pelo menos durante todo o século XX, a relação entre profissionais e empresas era marcada por uma visão de carreira linear e de longa duração.
O sucesso era medido por promoções e a lealdade era altamente valorizada, sendo comum haver pessoas que construíram toda a vida profissional em uma ou duas empresas.
“As empresas ofereciam planos de carreira claros, benefícios atrativos e a promessa de aposentadoria, o que incentivava os profissionais a permanecerem por longos períodos. Muitos funcionários passavam décadas na mesma organização, construindo uma trajetória estável e ascendente dentro de uma única estrutura”, sinaliza Michelle Navarro.
Ela explica que algumas questões incentivavam que as movimentações no mercado de trabalho fossem assim. Entre os motivos, ela aponta que “o ritmo das mudanças tecnológicas e do mercado era mais lento”.
“Isso permitia que as empresas mantivessem estruturas hierárquicas e processos mais estáveis”, ressalta a especialista em carreira.
Agora: novas prioridades
Mas a ideia de que a trajetória profissional em uma mesma empresa era algo “para sempre”, quase um casamento, não vingou com a nova geração que tem alcançado o ambiente profissional.
Em 2024, por exemplo, o mercado de trabalho brasileiro experimentou o recorde histórico em pedidos de demissão. Nos 12 meses do período, quase 8,5 milhões de trabalhadores deixaram seus postos por vontade própria, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Somente entre janeiro e setembro, 6,5 milhões de desligamentos voluntários foram registrados, de acordo com números divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o que resulta em um aumento expressivo em relação a 2023 (5,6 milhões) e 2022 (5,3 milhões).
Esse fenômeno, na verdade, chegou por aqui um pouco atrasado. Nos Estados Unidos, em 2021 e 2022, o país experimentou a chamada “Great Resignation” (Grande Renúncia), que significou 97 milhões de demissões voluntárias, sendo 47 milhões no primeiro ano, e mais 50 milhões no segundo, de acordo com o Departamento do Trabalho.
Esses pedidos de demissão em massa, sinaliza Michelle Navarro, podem ser atribuídos a uma série de fatores que refletem mudanças no mercado de trabalho, nas expectativas dos profissionais e no comportamento das organizações.

“Quando se avalia as perspectivas de carreira das novas gerações, observam-se prioridades que até então não eram o foco para gerações anteriores. Essa mudança de perspectiva pode ser atribuída a transformações sociais, tecnológicas e econômicas que redefiniram o que os profissionais valorizam em suas carreiras.”
Michelle Navarro, especialista em orientação profissional e consultora de carreira
Ao analisar o comportamento dos Millenials (1981 -1996) e da Geração Z (1997-2010) no ambiente de trabalho, a consultora de carreira explica que ter um trabalho com propósito, flexibilidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional, muitas vezes, tem um peso maior do que uma estabilidade tradicional para a maioria dos indivíduos dessa idade.
“Eles costumam buscar empregos que ofereçam oportunidades de aprendizado, capacitação e crescimento profissional, entendendo que a estabilidade está menos ligada à permanência em uma única empresa e mais relacionada à capacidade de se desenvolver e aprender constantemente”, diz.
Enquanto as gerações anteriores valorizavam a segurança financeira e a aposentadoria como forma de sustentar uma estrutura familiar tradicional, Millennials e Geração Z priorizam experiências mais imediatas, ter propósito e autonomia.
“Não quero dizer que as pessoas desta geração não querem ganhar mais ou ter status social e poder nas relações profissionais. Estou dizendo que essa não é mais uma ‘verdade universal’, como vendida no passado”, ressalta Michelle.
A consultora de carreira faz, ainda, uma reflexão nessa comparação entre gerações. Segundo ela, embora essas novas gerações tenham trazido mudanças positivas para o mercado de trabalho, como a valorização do propósito, da flexibilidade e da inovação, há alguns pontos de atenção que devem ser aprendidos com os representantes dos Baby Boomers (1945-1964) e da Geração X (1965-1980).
“Ao adotar uma abordagem equilibrada, combinando inovação com resiliência, propósito com planejamento, e flexibilidade com comprometimento, esses profissionais podem construir carreiras mais sólidas e satisfatórias”, aponta.
Além disso, Michelle coloca que mesmo que Millennials e Geração Z compartilhem algumas prioridades, há divergências significativas em relação à estabilidade profissional, ao uso da tecnologia e às expectativas de carreira.
“Enquanto os Millennials buscam um equilíbrio entre crescimento e estabilidade, a Geração Z está mais focada em autonomia, inovação e experiências diversificadas”, explica.

Repensar a cultura organizacional
Se pouca coisa é como era antigamente na relação entre empregado e empresa, as estratégias para reter e engajar talentos precisam ser moldadas aos novos tempos e à mentalidade dos novos profissionais.
“A chave está em repensar a cultura organizacional, investir em flexibilidade, tecnologia e bem-estar, e oferecer oportunidades de crescimento e propósito”, explica Michelle Navarro.
Ela conta que algumas organizações já estão se movendo na direção certa para absorver e reter os profissionais das novas gerações, citando o exemplo de companhias como Amazon e LinkedIn, que oferecem programas de upskilling e reskilling, além de benefícios como: bolsas de estudos, treinamentos internos e outras ferramentas de educação corporativa.
Michelle também destaca a promoção de programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I), presentes em organizações como a Netflix e a Patagonia, que buscam se alinhar aos valores das novas gerações.
Mas ela garante: na maioria das organizações, ainda há muito o que se fazer nesse sentido. “Embora algumas empresas estejam se adaptando, ainda têm um longo caminho a percorrer. As empresas que não se adequarem correm o risco de perder talentos para organizações mais alinhadas com as expectativas das novas gerações.”
E o futuro? Vem aí a Geração Alpha!
Com tudo o que se apresenta no mercado de trabalho em termos de carreiras impulsionadas pela busca por propósito, flexibilidade e adaptação às mudanças tecnológicas, a tendência é que a maior rotatividade provavelmente continuará nos próximos anos.
No entanto, acredita a consultora de carreira, fatores como a adaptação das empresas, crises econômicas e mudanças nas prioridades das gerações podem levar a um equilíbrio entre mobilidade e estabilidade.
Ao falar em mudança de gerações, ela alerta para a chegada aos escritórios e ambientes de trabalho, em poucos anos, da Geração Alpha, que inclui os nascidos a partir de 2010.
Embora ainda sejam jovens, já há estudos e projeções sobre como essa geração pode impactar o mercado de trabalho e a sociedade no futuro.
“Com sua hiperconectividade, mentalidade empreendedora e foco em propósito e diversidade, eles exigirão que as empresas se adaptem rapidamente a um mundo cada vez mais digital e consciente. As organizações que investirem em tecnologia, cultura inclusiva e personalização estarão mais bem preparadas para atrair e reter os talentos dessa geração”, completa Michelle.
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