A objetificação da aparência feminina, tão arraigada em uma sociedade ainda muito machista, pode ser combatida por meio da popularização do body positive (positividade corporal, em português), movimento que discute a padronização da beleza.
Este tema está intimamente conectado à importância da segurança psicológica no mercado de trabalho. Já que, mesmo com a indiscutível competência e qualificação profissional, as mulheres ainda sentem dificuldades em serem aceitas e terem o merecido reconhecimento na carreira devido ao julgamento da sua imagem corporal.
O Blog da Alelo aproveita o mês de março e a celebração do Dia Internacional da Mulher para debater o modo como a cultura do body positive pode ser favorável para as empresas que pretendem apoiar a diversidade entre os seus colaboradores. Vamos nessa?
Qual a relação entre o body positive e a eqüidade de gênero
A participação feminina nos ambientes de trabalho ainda é 20% inferior a dos homens, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Em níveis gerenciais, por exemplo, apenas 37% dos cargos são ocupados por mulheres no Brasil, enquanto a média mundial é pior ainda.
Além das questões que envolvem cobrança e pressão por um tipo de aparência padrão nas empresas, outros fatores discriminatórios dificultam a inserção das mulheres no mercado de trabalho, sendo estas as principais:
- Discriminação de gênero;
- Falta de representatividade;
- Conciliar trabalho e vida pessoal;
- Maternidade;
- Preconceito relacionado às mulheres em certas profissões.
A cultura do body positive tem o objetivo de promover a aceitação e a valorização de todos os tipos de corpos, independentemente das características físicas. O movimento visa desafiar os padrões estéticos impostos pela sociedade e pela mídia e o chamado “culto ao corpo”, que coloca modelos inatingíveis como a regra a ser seguida por todas as pessoas.
O movimento nasceu na década de 1960, com a ascensão do feminismo, porém foi na última década, por meio das redes sociais, que a ideia ganhou mais adeptos e começou a ser debatida.
Entre os tipos de preconceitos combatidos pelo body positive estão:
- Gordofobia: discriminação contra pessoas gordas;
- Racismo: rejeição com base na cor da pele;
- Capacitismo: preconceito contra pessoas com deficiência;
- Transfobia: a discriminação contra pessoas transgênero;
- Etarismo: a rejeição com base na idade;
- Sexismo: a discriminação com base no gênero;
- Homofobia: a intolerância contra pessoas LGBTQIAPN+.
Essa imposição por um corpo ou aparência física ideal – que não afeta somente as mulheres, mas os homens também – pode desencadear inúmeros problemas, que vão desde transtornos alimentares, como compulsão por comida (que pode resultar em obesidade), bulimia e anorexia, até comportamentos destrutivos, que prejudicam a aceitação própria e a autoestima.
Body positive a favor da diversidade nas empresas
Os padrões físicos impostos pela sociedade atingem também o mercado de trabalho. Há pesquisas, por exemplo, que apontam a preferência de executivos pela contratação de pessoas magras, o que demonstra uma situação de gordofobia.
“É complicado, principalmente para mulheres gordas. As pessoas não contratam, porque eles acham que a pessoa é desleixada, que não vai produzir. As pessoas ainda são muito preconceituosas, estão preocupadas com outras coisas”.
Com essa frase acima, a empresária Amanda Momente explica como a barreira do padrão físico atrapalha a inserção de mulheres no mercado de trabalho.
Em 2017, Amanda criou a WonderSize, linha de moda casual e fitness voltada para o público plus size.
Para Amanda, melhorar a aceitação e a autoestima das mulheres que estão em busca de emprego começa pelo acesso a roupas. Ela conta já ter passado dificuldades em entrevistas de emprego por não encontrar roupas de seu tamanho para utilizar.
“Já começamos com um desafio aí. Hoje em dia, existem pequenas marcas que entregam [roupas plus size], mas muitas vezes quem está procurando emprego não tem nem dinheiro para comprar. Então não tem como você se aceitar e ter autoestima, se você não tem o mínimo, que é roupa para vestir, para você se sentir segura na hora de procurar um emprego”, explica.
Restrições na hora de contratar
As reclamações da empresária são refletidas nos dados de um estudo realizado pelo Grupo Catho, onde é demonstrado que 65% dos presidentes e diretores de empresas têm restrições na hora de contratar pessoas gordas. O estudo vai ainda mais a fundo, demonstrando que os magros são mais bem pagos. Pelos cálculos, cada ponto a mais no Índice de Massa Corporal (IMC) de um colaborador significaria a perda de R$ 92 por mês.
Apesar da desigualdade e do preconceito ainda serem gritantes, as pessoas começaram a reagir sobre esse tipo de discriminação. Dados de abril de 2022 demonstram que tramitavam na Justiça do Trabalho 419 processos envolvendo gordofobia, com decisões favoráveis e que chegam a indenizações de até R$ 30 mil.
Como lidar com a pressão estética do mercado de trabalho?
O melhor modo de lidar com essa pressão estética do mundo corporativo, diz Amanda, é procurar por empresas “mais alternativas”, que carregam em sua conduta a aceitação de “pessoas de verdade”, sem buscar estereótipos, e que realmente procurem trabalhadores qualificados para o seu quadro de colaboradores.
Amanda continua: “No mercado plus size, de pessoas gordas, falta muito pertencimento. É uma luta diária para conseguirmos os espaços. Mas acredito muito no trabalho interno, da pessoa se olhar no espelho, literalmente, e falar ‘eu vou conseguir’”.
Como o body positive pode influenciar a cultura corporativa?
“O movimento body positive faz as empresas enxergarem que uma pessoa gorda é real, que uma pessoa fora do padrão é bem competente e um profissional como qualquer outro”, explica Amanda.
Ela conta que os preconceitos do corporativismo a atingiram como empreendedora, pois não conseguia se ver como uma empresária de sucesso, principalmente pelas discriminações sofridas.
“As pessoas me enxergavam de outra forma, não me atendiam direito, com muito preconceito. Além de eu ser uma mulher gorda, ainda tenho a cabeça raspada, um cabelo colorido, sabe? Então tinha muito preconceito.”
“Quando fundei a WonderSize, coloquei na minha cabeça que ninguém tinha mais domínio sobre o meu negócio do que eu. Elas próprias precisam entender que vão fazer o negócio dar certo, que são muito boas, mas precisam saber também em qual área precisam do apoio de uma rede de empreendedoras e pedir apoio de pessoas com mais experiência”, afirma.
Amanda diz também que o empreendedorismo é um caminho solitário, mas seus resultados são gratificantes, pois acontecem devido às oportunidades criadas e aproveitadas pela própria pessoa.
“Assim, você se dá visibilidade, não fica esperando a indústria aceitar o seu corpo. E trabalhar com uma coisa que você ama acaba não virando tanto trabalho. Você faz de uma forma mais leve, mais feliz. E não há nada melhor do que ter sanidade mental e se respeitar”, reitera.
Como as empresas podem promover a aceitação do corpo e a diversidade no local de trabalho?
“As empresas podem começar contratando pessoas gordas. Não precisa fazer um movimento bizarro, é somente elas entenderem que uma pessoa gorda é uma pessoa qualificada. Não dispensar [alguém] por conta da imagem e do preconceito.”
Indo além do peso, pessoas com características consideradas “fora do padrão”, como cabelos tingidos, body piercing, tatuagens, vestimentas não binárias, ou seja, que não se enquadram naquilo que é tido como o esperado para um determinado gênero, etc, fazem parte da cultura do body positive.
Amanda faz ainda uma análise interessante: “Eu acho que se existisse um ‘The Voice’, em que o contratante virasse a cadeirinha [sem ver a imagem do candidato] somente pela qualificação, seria bem interessante”, considera.
A valorização do ser individual, com características únicas, é o que garantirá um espaço de segurança psicológica nas organizações, para que cada pessoa possa atingir o seu máximo potencial.