Basta alguns minutos de navegação pelo LinkedIn para se deparar com comentários negativos nas postagens de consultorias de Recursos Humanos, nas publicações de grandes empresas ou em artigos de influenciadores de carreira em assuntos relacionados ao processo de Recrutamento e Seleção (R&S). Com palavras ofensivas e reclamações, é nítida a insatisfação por parte considerável daqueles que estão em busca de uma nova oportunidade no mercado de trabalho.
As razões para o hate variam. Exigências irreais, com pedidos exagerados para cargos de nível júnior; comunicação imprecisa sobre o perfil do candidato; processos longos, com várias dinâmicas e entrevistas, que acabam se mostrando cansativos e desnecessários; informação salarial superficial, fazendo candidatos perderem tempo para descobrir que a proposta não é compatível, etc.
O “campeão das críticas”, no entanto, é o chamado ghosting. Ele se materializa quando, após passar por uma ou várias fases de seleção para uma vaga, o candidato não recebe nenhum tipo de feedback, ficando “no escuro” se a posição foi preenchida por outro profissional, se o processo chegou ao fim ou mesmo quais pontos de seu perfil profissional que o deixaram fora na corrida pelo emprego.
Essa falta de retorno aos candidatos foi o problema apontado por metade dos entrevistados em um levantamento realizado pelo Vagas.com, quando perguntados sobre quais pontos melhorar nos processos seletivos.
Outros dados da pesquisa são:
- 42% dos entrevistados apontam “ser acolhido” como a principal expectativa, seguidos por “ser compreendido” (20%) e “ser apoiado” (12%);
- 16% gostariam que fossem aperfeiçoadas a “visibilidade das fases no processo seletivo”;
- Para descrever o “processo seletivo dos seus sonhos”, metade dos respondentes indicou “orientação”, com a expectativa de que o RH comunicasse o avanço nas etapas do processo seletivo;
- 30% dos profissionais pediram mais “transparência”, com a intenção de saber o máximo de informações sobre a participação no processo seletivo;
- 17% sugeriram “acolhimento”, na expectativa que o RH das empresas demonstrasse maior empatia ao longo do processo.
Batemos um papo com especialistas do RH para saber quais práticas não devem ficar de fora durante os processos de Recrutamento e Seleção e até que ponto a insatisfação exposta nas redes sociais relativa a esse processo é prejudicial para uma empresa que busca atrair os melhores profissionais.
Bora lá saber mais?
Manter uma cultura de feedback: isso é mesmo importante?
Seja um amigo, um familiar ou alguém que estamos conhecendo em um relacionamento amoroso, ficar no vácuo, sem explicação, é sempre uma surpresa desagradável.
No mundo corporativo, não é diferente. Estar em busca por uma vaga de emprego, algo que geralmente acontece em um momento de incertezas quanto ao futuro, por si só traz uma carga emocional gigantesca.
Por isso, ao não saber como suas habilidades profissionais foram vistas pelo recrutador e não receber o feedback adequadamente, um ressentimento toma conta do indivíduo, que vê nos comentários do LinkedIn a melhor forma de demonstrar sua frustração com aquela situação.
Segundo Priscila Oliveira, Head de Cultura e Pessoas da Kstack, o feedback no Recrutamento e Seleção é essencial para uma boa experiência dos candidatos.

“Quando um candidato investe tempo em um processo seletivo, e não obtém retorno, isso pode gerar frustração e até prejuízos à imagem das empresas. Para os candidatos que são entrevistados e disponibilizaram o tempo para o processo de Recrutamento e Seleção, é importante um feedback com mais detalhes da sua reprovação, e não somente um feedback generalista”, argumenta Priscila Oliveira, Head de Cultura e Pessoas da Kstack
A construção de uma cultura de feedback, aliás, não é importante somente para o candidato, mas também para a empresa, como ressaltado por Greice Lucca, do Departamento de Gestão de Projetos de Recrutamento e Seleção da Youniq RH.
Ela explica que assim é mantida a possibilidade de contato com o candidato, uma vez que não ter sido aprovado para uma vaga específica, não significa que ele não tenha o perfil adequado para futuras oportunidades.
“Manter esse vínculo com o candidato cria um banco de talentos, o que pode ser extremamente útil para vagas que surgirem mais adiante. Para nós, o RH é justamente isso: entender que, do outro lado, existe uma pessoa que se dedicou ao processo seletivo, investiu seu tempo nas etapas, entrevistas e análises. Esse candidato tem uma expectativa, e é nosso papel oferecer um tratamento humanizado, comunicando-lhe de forma clara os motivos da não aprovação”, aponta Greice.
Quando o processo seletivo se alonga além do esperado, explica a especialista da Youniq RH, é preciso manter uma comunicação com o candidato, oferecendo um retorno, para que ele se sinta valorizado: “Dessa forma, evitamos a sensação de que ele foi simplesmente esquecido ou ignorado”.
Exposição no LinkedIn: prejudicial para a empresa
E essa falta de retorno ser externada em textos e comentários no LinkedIn obviamente tem potencial para trazer problemas à imagem da empresa. É o que afirmam as entrevistadas.
Para Greice, devido à rapidez com que a informação circula pelas redes sociais, um candidato que não recebe retorno pode levar sua insatisfação a um público muito amplo.
“Isso pode prejudicar a imagem da empresa, especialmente considerando o quanto a transparência e o respeito ao candidato são valorizados no mundo atual”, explica.
O impacto na reputação da marca empregadora também é analisado por Priscila: “Os profissionais em busca de novas oportunidades de carreira, especialmente aqueles com alta demanda no mercado, acabam evitando processos seletivos de empresas mal avaliadas, preferindo as que demonstram respeito e comprometimento com os candidatos”.
Ela conta que ao trabalhar com clientes que tinham uma baixa reputação, a busca pelos melhores candidatos era muito difícil, pois pagavam por erros cometidos em processos seletivos anteriores e que não haviam recebido uma condução correta.
“As críticas aconteciam por falta de feedback, por uma condução da entrevista de uma maneira pouco respeitosa, ou até por negociações salariais abaixo do proposto inicialmente”, recorda a representante da Kstack.
Outras reclamações: é tudo culpa do RH?
Processos seletivos que exigem habilidades e certificações demais para o cargo, o salário oferecido, o excesso de etapas durante o recrutamento, ausência de informações sobre a faixa salaria etc.: a lista de reclamações relativas ao processo de Recrutamento e Seleção vai muito além da inexistência do feedback.
Greice Lucca, da Youniq RH, reconhece que, em alguns processos seletivos, as exigências de certificações e habilidades específicas realmente fazem sentido, mas que muitas vezes é visto que a remuneração oferecida não acompanha a demanda, o que desmotiva os candidatos.
Ela diz, ainda, entender que há um esforço das empresas em se alinharem às práticas de mercado, e que a remuneração pode variar conforme o setor e as condições específicas de cada organização, e que essa é uma realidade com a qual cada empresa lida de acordo com seu contexto.

“Não podemos esquecer que, muitas vezes, as limitações de uma empresa não são uma falha, mas sim uma consequência do seu porte ou da sua situação no mercado. Além disso, essas questões não devem ser atribuídas apenas ao RH. A liderança e outros setores também têm grande influência nas decisões sobre o processo seletivo e nas condições oferecidas aos candidatos”, analisa Greice Lucca, do Departamento de Gestão de Projetos de Recrutamento e Seleção da Youniq RH.
Priscila Oliveira explica que, como o descritivo da vaga com as exigências são levantadas com os gestores das posições, a maioria dos RHs acaba por não questionar as exigências, muitas vezes até mesmo absurdas.
“Mas também vejo RHs mais consultivos, com uma postura mais estratégica e parceira do negócio, que consegue negociar bastante com os gestores sobre as exigências”, diz.
Inteligência Artificial no R&S: aliada ou vilã?
A Inteligência Artificial já tem um protagonismo consolidado no R&S. Esse sistema inteligente é aplicado em processos específicos, como na filtragem de candidatos para as vagas e na aceleração do trabalhoso processo de triagem, elevando a chance de acerto na escolha do futuro colaborador.
Apesar de contribuir com a simplificação dos processos, a IA dentro das plataformas de Recrutamento e Seleção é acusada, por pessoas que colocam seus currículos nesses sites, de ser enviesada.
Há denúncias de triagem de CVs que, por meio dos algoritmos, reforçam preconceitos inconscientes, excluem candidatos qualificados e limitam a diversidade nas contratações.
Elogiosa à IA como uma ferramenta poderosa durante esse processo, Priscila ressalta que o uso precisa ser equilibrado, com o monitoramento do algoritmo para que ele não esteja descartando bons profissionais de forma inadequada.
“O recrutamento com uma base inicial com a IA e o restante do processo humanizado é muito mais efetivo”.
Já Greice alerta para um problema vindo do lado dos candidatos: currículos que não contêm todas as informações necessárias para uma análise mais eficaz, com dados desatualizados ou incompletos, não possibilitando a identificação desse CV, já que eles não atendem aos parâmetros estabelecidos.
Outro ponto importante é quando candidatos pleiteiam vagas que não estão alinhadas com seu perfil, o que leva a não consideração do currículo para aquela posição”, afirma a profissional da Youniq RH.
Recrutamento interno: é preciso evitar ruídos
Uma ótima maneira de valorizar aqueles que já estão dentro da empresa e que buscam alcançar cargos mais relevantes, o recrutamento interno, ao preencher uma posição aberta com um colaborador que já faz parte do quadro de funcionários, também consegue engajar a equipe, reduzir custos, fortalecer a cultura organizacional, etc.
No entanto, quando mal conduzido, esse processo tem alto poder destrutivo. Mesmo não alcançando as redes sociais – afinal, dificilmente um colaborador vai utilizar as plataformas para reclamar -, a decepção desse profissional com o processo e, consequentemente, com líderes e gestores, têm potencial para deixar o ambiente tóxico, se tudo não for explicitado com franqueza.
Greice Lucca alerta, ainda, para um cuidado especial com o feedback para aqueles colaboradores que não foram selecionados.
“Esse retorno deve ser construtivo, esclarecendo as razões pelas quais o perfil não foi escolhido, permitindo que o colaborador tenha a oportunidade de identificar áreas de desenvolvimento e se preparar para futuras oportunidades dentro da empresa.”
O futuro do R&S: as tendências desse processo
Um misto do protagonismo da Inteligência Artificial e de seus vários ramos como Machine Learning e Deep Learning, mas buscando uma forma cada vez mais humanizada no relacionamento com os candidatos. Assim, acreditam as especialistas, deve ser o futuro do trabalho dentro do departamento de Recrutamento e Seleção.
“A tendência é ser cada vez mais tecnológico. Quando comecei a atuar no R&S há 20 anos, as entrevistas eram presenciais, currículos eram entregues dentro de envelopes pardos e os testes eram realizados ali na hora. A tecnologia utilizada de forma respeitosa irá agilizar muito mais os processos para os recrutadores, empresas e candidatos”, aponta Priscila Oliveira.
Ela indica também outras tendências que busquem a maior transparência nos processos seletivos, e que valorizem a experiência na jornada do candidato dentro do processo seletivo.
“Feedbacks rápidos, processos menos burocráticos e um contato mais humanizado farão a diferença na atração de talentos. O modelo de trabalho pós-pandemia mudou muito, precisamos ter um olhar para isso. Os processos seletivos acompanham essa tendência. Testes e entrevistas adaptados às preferências do candidato (presenciais, remotos ou assíncronos) deverão ser mais comuns”, avalia.
A transparência e humanização no trato com os candidatos também é ressaltada por Greice Lucca, que considera que esse processo “ainda tem muito a evoluir”, com muitas empresas começando a dar os primeiros passos nesse sentido.
“As empresas que já têm uma mentalidade mais aberta e flexível perceberam a importância de tratar as pessoas com respeito e valorizá-las de verdade. No entanto, infelizmente, ainda existem organizações que não enxergam o capital humano como um valor essencial, e isso acaba refletindo nos processos seletivos. A transparência no processo seletivo não é apenas uma tendência, mas uma necessidade”, completa.
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