Cada vez mais a segurança psicológica ganha relevância no ambiente de trabalho – e de fato, ela é indispensável para o bem-estar de todos os colaboradores, em especial das mulheres.

Segundo dados da Justiça de Trabalho, foram registrados mais de 52 mil casos de assédio moral no Brasil e mais de três mil relativos a assédio sexual em todo o país no ano de 2021.

Além disso, para as agências da Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres recebem, em média, 20% a menos que os homens em todo o mundo para exercerem as mesmas funções.

Pensando nesse cenário, o Blog da Alelo aproveita este mês de março, dedicado às mulheres, para trazer grandes profissionais – Patrícia Ansarah e Anne Bertoli -, para refletir sobre como endereçar estes problemas para garantir a segurança psicológica nos ambientes de trabalho.

Vamos nessa?

O que é a segurança psicológica no ambiente de trabalho?

A segurança psicológica é a garantia de que seus colaboradores se sintam à vontade para expressar opiniões, ideias e inseguranças sem preocupação com julgamentos.

Assim, a prática consiste em promover um ambiente de trabalho em que as pessoas consigam se comunicar abertamente e assumir riscos interpessoais sem receio de consequências negativas para a sua imagem pessoal, para o status ou para a carreira.

Segundo explica Patrícia Ansarah, psicóloga organizacional, mentora executiva e sócia-fundadora do IISP (Instituto Internacional em Segurança Psicológica), “Segurança psicológica é um fenômeno que ocorre quando existe uma dinâmica relacional forte e saudável entre pessoas que trabalham juntas e que faz com que todas se sintam seguras para contribuir e trazer suas questões, inseguranças, uma ideia nova ou um ponto de vista diferente sem medo de sofrer algum tipo de julgamento, recriminação ou retaliação”.

Com a segurança psicológica garantida, é possível ter um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, em que as pessoas se sentem valorizadas e respeitadas.

Afinal, quando os funcionários sentem que são ouvidos, eles ficam mais instigados a compartilharem suas ideias inovadoras, além de contribuírem para o crescimento e sucesso da empresa.

Por que pensar sobre a segurança psicológica?

Patrícia Ansarah conta que esbarrou na segurança psicológica “como parte do seu processo de cura de um Burnout. E conhecer a história de Ansarah é necessária para compreendermos melhor a importância dos ambientes de trabalho cada vez mais saudáveis.

“Atuei em empresas de diferentes culturas e segmentos de negócio ao longo de 25 anos. Assumi posições de liderança executiva em algumas delas e o que eu encontrei foram ambientes que valorizavam processos, eficiência, competição e resultado acima de tudo. [Encontrei] ambientes de relações superficiais e até mesmo ambientes onde a violência se instala silenciosamente e o medo passa a fazer parte da cultura e do ‘jeito de ser’”, fala.

A profissional continua: “Poucas vezes pude ser eu mesma, falar dos meus desconfortos e inseguranças sem ser julgada ou sofrer algum tipo de retaliação e vi muita gente tomando remédio para ansiedade e adoecendo sem poder contar com ninguém. E um dia fui eu quem adoeci. Nesse processo, passei a acreditar que esse era o único modelo existente para as empresas fazerem negócio: resultados a qualquer custo, inclusive ao custo do sofrimento das pessoas”.

Em meio ao seu “processo de cura”, Ansarah explica que encontrou o Movimento do Capitalismo Consciente. Com isso, se aproximou de mentores que a aconselharam a não desistir de acreditar “que a força de transformar o mundo em um lugar mais consciente e humano está nas organizações. Afinal, é dentro delas que encontramos toda riqueza de recursos que precisamos: financeiro, tecnológico, processos e pessoas”.  Pouco depois, ela se deparou com a segurança psicológica, […] que coloca a qualidade das relações interpessoais em primeiro lugar”, conclui.

Anne Bertoli, cofundadora do De Pessoa pra Pessoa, uma empresa de humanização dos ambientes de trabalho, conta que “todo o movimento” de vida dela está relacionado à prática de “abrir espaço para que as pessoas sejam quem elas são, onde quer que elas estejam, incluindo o ambiente de trabalho. Isso, para mim, é humanização”. Para Bertoli, “nossa versão mais genuína” faz com que sejamos mais “potentes” – e essa crença surgiu a partir de estudos e abordagens.

Para a profissional, a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) foi fundamental para que ela compreendesse sobre como desenvolver a ‘melhor versão de nós mesmos’. “Esse conceito da psicologia humanista, trazido por Carl Rogers, propõe um jeito de ser e estar nas relações que facilita com que revelemos a nossa melhor versão. Ela é bem simples de explicar, mas desafiadora de viver por ser um tanto quanto contracultura”, diz.

Segundo Bertoli, Rogers convida para que confiemos na capacidade humana de conseguir sempre encontrar “um próximo passo melhor” e também pontua sobre o “poder da companhia de qualidade” – isto é, estar com o outro “a partir da compreensão empática, da aceitação positiva e incondicional e da congruência”. “Essa é a base do meu trabalho no ‘De Pessoa pra Pessoa’”, afirma.

Anne Bertoli se aproximou da ideia de segurança psicológica ao ter contato com o trabalho da Professora Amy Edmondson, que apresentava um estudo com elementos que devem estar presentes em um time com segurança psicológica. E essa perspectiva estava muito relacionada aos três comportamentos facilitadores da Abordagem Centrada na Pessoa. Edmondson, porém, havia conectado a sua proposta “com o mundo corporativo”.

O que pode comprometer a segurança psicológica de uma empresa?

Conforme Anne Bertoli, “todo comportamento que opera na lógica da dominação com certeza compromete a segurança psicológica; onde há comando e controle, não tem segurança psicológica”.

Patrícia Ansarah, ainda, lista algumas atitudes que podem comprometer a segurança psicológica das empresas:

  • a falta de curiosidade e apreciação pelo outro;
  • procurar culpados ao invés de aprender com o erro;
  • tomadas de decisões parciais ou top-down, que não incluem pontos de vistas diferentes;
  • evitar conversas sensíveis em prol de uma harmonia artificial;
  • agendas de trabalho processuais;
  • valorizar as pessoas de acordo com cargo ou função;
  • estimular competição ou fazer comparações;
  • ameaçar, faltar com respeito, usar do cargo para conseguir o que quer;
  • falta de confiança;
  • o medo de ser imperfeito.

Qual é a importância da segurança psicológica?

Com a segurança psicológica no ambiente de trabalho, a redução do estresse e do esgotamento profissional é uma ótima e benéfica consequência. Isso porque, quando as pessoas se sentem seguras para expressar suas preocupações e desafios, elas podem trabalhar juntas para encontrar soluções e diminuir a carga emocional do trabalho.

“Não fazemos mais nada sozinho”, declara Ansarah. “O crescimento de uma organização depende de um grupo de pessoas engajadas para algo que é maior do que resultados financeiros. A qualidade das relações impacta diretamente no funcionamento dos times, o que impacta no desempenho individual e coletivo. Se existe um ambiente de julgamento, de exclusão, de retaliação ou de micro violências, as pessoas deixarão de se engajar e de ter vontade de contribuir”, acrescenta.

Para pensar sobre a importância dos ambientes de trabalho saudáveis, Anne Bertoli cita uma frase do livro “A Organização Sem Medo”, de Amy Edmondson, que define o conceito de segurança psicológica: “Um clima de time caracterizado pela confiança interpessoal e pelo respeito mútuo, no qual as pessoas se sentem confortáveis em serem elas mesmas”.

Quando entendermos isso e pararmos de colonizar as pessoas em todas as nossas relações, inclusive no trabalho, aí sim vamos prosperar, e muito, em todos os sentidos. Essa é a grande importância do trabalho da Professora Amy e da Segurança Psicológica”, afirma Bertoli.

Como ter ambientes mais saudáveis para as mulheres em sua empresa?

O estudo “Percepções sobre violência e assédio contra mulheres no trabalho”, realizado em 2020 pelo Instituto Patrícia Galvão, informa que, na percepção de 92% dos entrevistados, mulheres sofrem mais situações de constrangimento e assédio no ambiente de trabalho. Conforme os dados, ainda, 40% relatam que já foram xingadas ou ouviram gritos no trabalho.

Uma das características de times com alta segurança psicológica é o equilíbrio de fala, e quando digo equilíbrio aqui, digo que em uma reunião com 10 pessoas, cada uma delas deveria falar 10% do tempo. Agora me diz: é fácil encontrar ambientes onde as mulheres têm espaço de fala em equilíbrio com os homens?”, questiona Anne Bertoli.

Pensando na situação das mulheres dentro das companhias, Ansarah indica algumas ações para garantir ambientes mais saudáveis para as colaboradoras:

  • distribuir o espaço de fala de forma igualitária entre homens e mulheres e, se necessário, marcar o tempo até que essa dinâmica se torne algo habitual;
  • ativar a habilidade social necessária para perceber os momentos de possíveis desconfortos que as mulheres estejam vivendo sem que, necessariamente, precisem falar. Ao perceber, trazer para a conversa;
  • apreciar contribuições, perguntas, resultados, ideias e pontos de vista. Valorizar e reconhecer são comportamentos fundamentais para garantir que isso aconteça mais vezes e estimular que as mulheres continuem contribuindo, porque são tão importantes quanto os homens no grupo;
  • perguntar como elas gostariam de ser incluídas e tratadas é o principal. Não pressuponha nada, pergunte e estabeleça novos acordos de convivência e de funcionamento de time que contemplem o pedido;
  • co-responsabilizar líderes e funcionários das iniciativas, dos indicadores e dos resultados.

Ambientes seguros para todos

Não é possível falar sobre segurança psicológica sem falar da diversidade e da importância de ambientes inclusivos no mercado de trabalho. Com isso, todas as pessoas, incluindo as mulheres, devem ter espaços mais seguros e confortáveis para desenvolverem as suas carreiras profissionais.

Para Anne Bertoli, é preciso incentivar a conscientização dos colaboradores acerca desses temas. “Entendo que todos [os movimentos] partem de um lugar de abertura sincera para a ampliação de consciência sobre temas que são estruturais. Informação, discussões, espaços para as mais diversas narrativas e sustentação de desconfortos (porque muitas vezes mudar dói) fazem parte desse movimento inclusivo”, fala.

Patrícia Ansarah também pontua: “Ambientes psicologicamente seguros são precursores da diversidade e da equidade de gênero, pois têm o objetivo de promover uma dinâmica social em que as ideias vêm de uma construção coletiva em que todos têm o mesmo valor de contribuição e espaço de fala – independente de suas diferenças”.

Para que essa realidade citada por Ansarah aconteça, é indispensável que todas as pessoas se sintam à vontade para “serem seus verdadeiros eus”, além de terem a sensação de conforto para contribuírem “com as próprias ideias e perspectivas únicas”, como alerta a psicóloga. 

Não há diversidade e equidade de gênero sem inclusão. E não há inclusão sem segurança psicológica. E quando não há inclusão, diversidade e equidade de gênero, não há pontos de vista diferentes para que as conversas levem ao caminho da inovação. E, sem inovação, não há crescimento. Portanto, não basta criar indicadores e iniciativas se a estratégia de negócio não estiver construída em cima do modelo da segurança psicológica”, finaliza Ansarah.


O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 4.9 / 5. Número de votos: 7

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.