Alguma vez você já deve ter olhado para os seus colegas de trabalho, seja durante o cumprimento de demandas, nas reuniões intermináveis ou nas pausas estratégicas para o cafezinho, e pensado: “Essa é uma empresa feliz?”.
A princípio essa pergunta pode soar estranha. Afinal, dentro de uma organização há pessoas felizes e tristes em maiores ou menores graus. Mas em tempos de discussões sobre o fim da escala 6×1, o aumento de casos de doenças ocupacionais como o burnout e o recorde de pedidos de demissão, manter a felicidade corporativa em alta tem se tornado uma grande preocupação para líderes e gestores.
Empresas “infelizes” são formadas por pessoas insatisfeitas, que inseridas em um ambiente tóxico e inflexível, sentem-se desvalorizadas, sobrecarregadas e veem pouco ou nenhum propósito nas funções em que operam.
Já indivíduos felizes no trabalho rendem mais, sabem da sua importância dentro da corporação e se identificam com a missão e os objetivos da organização.
No livro “Happiness at Work: Maximizing Your Psychological Capital for Success”, (Felicidade no Trabalho: Maximizando seu Capital Psicológico para o Sucesso), a autora Jessica Pryce-Jones revela que os colaboradores mais felizes são:
- 47% mais produtivos;
- 75% menos ausentes por doenças;
- 180% mais dispostos;
- 108% mais engajados;
- 82% mais satisfeitos com o trabalho;
- 28% mais respeitosos com seus colegas.
Já de acordo com um estudo da Gallup, empresas com funcionários felizes têm 50% menos acidentes laborais, o que traz benefícios financeiros e operacionais, além de reforçar a imagem e reputação da empresa.
Ou seja, contar com uma equipe de trabalho satisfeita com aquilo que rege o dia a dia de uma empresa traz resultados interessantíssimos, inclusive de rentabilidade. Mas, voltando à pergunta inicial: “Como saber se essa é uma empresa feliz?”. E além disso: “Como fazer essa empresa feliz?”
Para tratar o assunto com a seriedade que ele merece, nos últimos anos, diversas empresas ao redor do mundo, inclusive no Brasil, têm estruturado departamentos projetados à felicidade e ao bem-estar.
É ainda nessa esteira da felicidade corporativa que surgiu a figura do Chief Happiness Officer (CHO), o Diretor de Felicidade, um cargo especializado em promover e mensurar a satisfação de todos os membros da equipe.
Ficou feliz com essa explicação? Bora ver mais sobre como a felicidade corporativa tem colocado as pessoas em primeiro lugar!
O que é a felicidade corporativa?
O tema felicidade corporativa, com nome e sobrenome, é um conceito que coloca essa emoção tão relevante para nossa existência, inserindo-a no ambiente de trabalho e nas atividades realizadas para garantir o sustento.
Mas antes de mais nada: o que é ser feliz? Segundo Gustavo Arns de Oliveira, consultor na área de Bem-Estar e idealizador do Congresso Internacional de Felicidade, mais do que ser feliz em todas as áreas da vida pessoal, é importante ter uma compreensão mais profunda acerca do conceito de felicidade, para que ela não seja confundida com “alegria ou momentos felizes”.
“Gosto muito de um conceito do professor Tal Ben-Shahar, de Harvard, que diz que felicidade é a combinação do bem-estar físico, emocional, intelectual, relacional e espiritual. Quando cuidamos de cada um desses componentes do nosso bem-estar, naturalmente estamos construindo mais felicidade”, argumenta Gustavo Arns de Oliveira.
“Felicidade é um grande guarda-chuva com várias vertentes. Tem a felicidade da pessoa de tirar férias, de descansar, tem a felicidade espiritual, a felicidade acadêmica, etc. E o trabalho que a gente tenta fazer nas empresas, que é o de felicidade corporativa”, explica Vinicius Kitahara, fundador da Vinning – Consultoria de Felicidade Corporativa e palestrante do CONARH 2024.
“Felicidade corporativa é este olhar no ângulo de segunda a sexta-feira, dessa experiência durante o trabalho”, continua.
Vinicius Kitahara divide a felicidade corporativa em quatro pilares:
- Felicidade do indivíduo;
- Felicidade do time;
- Felicidade da empresa;
- Felicidade do cliente.
Esses quatro temas são complementares e diferentes. “Existe a felicidade de uma empresa, que é ser sustentável, lucrativa e conseguir se manter ao longo dos anos, que é diferente da felicidade do indivíduo, que tem necessidades únicas e individuais. Já a felicidade do time é uma equipe engajada com relações de qualidade e confiança. E há, ainda, a felicidade do cliente, que gosta de ser bem atendido e tem a satisfação de retornar. Então, quando a gente aprofunda, começa a entender a diferença desses pilares”. diz Vinicius
As empresas, quando focam na promoção do bem-estar, muitas vezes estão exclusivamente olhando apenas para o individual, e não contemplam os outros três pontos, o que gera expectativas erradas e descontentamento.
“O nosso trabalho, ao criar um movimento de felicidade corporativa, é olhar os quatro pilares, é trazer um equilíbrio entre o que é bom para o indivíduo, o que é bom para todos e fazer ajustes conforme a necessidade”, explica Vinicius.
E ele continua: “Ao criar um ambiente em que todo mundo cuida um pouco desse tema e ele não é responsabilidade de uma pessoa ou de uma única área, aquilo começa a fazer mais sentido como cultura de empresa.”
Por que estudar a felicidade nas empresas?
Trabalhar com o propósito de levar a felicidade aos outros. Em uma explicação simples, é essa a função de um Chief Happiness Officer, ou Diretor de Felicidade.
Presente em grandes corporações, o CHO tem ganhado cada vez mais força nos últimos anos, em que as transformações relacionadas à Inteligência Artificial na gestão de pessoas, à expansão do trabalho remoto e aos conflitos geracionais têm impactado fortemente os ambientes corporativos.
Mas quando o alinhamento entre a satisfação dos colaboradores e os propósitos da corporação, em busca de uma “empresa dos sonhos”, ganhou relevância a ponto de surgirem departamentos que busquem a felicidade corporativa?
“Entendo que a pandemia de COVID-19 foi um divisor de águas para a alta liderança compreender que havia um desafio, e assim ganhou projeção a Ciência da Felicidade, que já vem sendo pesquisada há décadas pelas grandes universidades do mundo, como: Harvard, Stanford e Yale”, explica Vinicius Kitahara.
“As empresas começaram a montar programas, fazer o letramento das lideranças, assim até chegar numa coroação de organizações que criaram uma diretoria de felicidade. E a cada ano que passa, vamos colhendo os frutos”, diz.
Gustavo Arns coloca como “culpado” pela maior preocupação com a felicidade corporativa o que ele chama de “adoecimento geral” e que há uma nova geração chegando ao mercado de trabalho que tem preocupações, anseios e objetivos diferentes da geração anterior, como é de costume, e que não se nega a debater essas questões.
“Há uma crescente no mundo que leva a reflexões acerca da felicidade em todos os ambientes. E as pesquisas mostram que colaboradores felizes produzem mais e são um ‘driver’ importante para se ter clientes mais satisfeitos e uma organização saudável”, aponta.
Sobre o cargo de CHO, o fundador da Vinning explica que, enquanto algumas empresas investem realmente em um Diretor de Felicidade corporativa, em outras o que tem havido são gerentes e analistas nessa área.
“Alguns profissionais estão colocando no LinkedIn como se fossem de fato um Chief Happiness Officer, mas a cadeira só pode ser colocada quando há de fato uma pessoa sênior”.
Quais as atribuições de um CHO?
O papel do Diretor de Felicidade vai além de ações superficiais de motivação, abrangendo estratégias que impactam a cultura organizacional e os resultados da empresa como um todo.
Entre as principais funções de um CHO estão:
- Desenvolver e implementar estratégias de bem-estar, com programas que promovam a qualidade de vida e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e priorizem a saúde mental e física;
- Fortalecer a cultura da empresa em pilares de diversidade, equidade e inclusão (DE&I);
- Medir e analisar o bem-estar e o engajamento dos funcionários por meio de pesquisas de clima organizacional e índices de satisfação;
- Desenvolver programas de reconhecimento e valorização;
- Planejar e promover treinamentos que não apenas desenvolvam habilidades profissionais, mas também competências interpessoais e de gestão de estresse;
- Intervir e mediar conflitos entre funcionários ou entre equipes para garantir que a resolução seja feita de forma justa e que todos se sintam ouvidos.
No entanto, o movimento de felicidade corporativa é uma questão que deve ir além do time de Recursos Humanos, alerta Vinicius. Treinar e orientar líderes e gestores para que adotem práticas que promovam a cultura organizacional também é um dos papéis do CHO.
E a participação da liderança é mesmo fundamental na tranquilidade dos colaboradores, segundo pesquisa feita por Juliana Sawaia, cientista e pesquisadora de felicidade no trabalho, para a Fundação Dom Cabral.
Dos 250 profissionais entrevistados do setor privado, em diferentes níveis hierárquicos e regiões do país, mais de 70% indicou que o relacionamento saudável com o chefe direto, com segurança psicológica e respaldo, faz se sentir mais feliz em relação ao seu trabalho.
“É uma pauta da liderança, então quanto mais lideranças envolvidas, mais o movimento pega tração”, ressalta Vinicius, que dá como exemplo a Heineken Brasil, que tem Livia Azevedo como CHO e do qual ele próprio é consultor.
“O CEO da Heineken, Mauricio Giamellaro, foi quem puxou essa bandeira e teve a coragem de abraçar este movimento de felicidade corporativa, E dentro desse processo, ele nomeou a Lívia Azevedo. A Heineken tem 14 mil colaboradores, e é preciso alguém com senioridade para puxar essa pauta, para que isso seja colocado na estratégia e se torne relevante dentro da organização”, analisa.
Vinicius Kitahara explica que há um processo gradual, que deve ser iniciado com treinamento e letramento das lideranças, até evoluir para um programa de felicidade corporativa propriamente dito.
“Apenas após isso, há espaço para a coroação de uma diretoria de felicidade, com estrutura para mensurar, planejar, ver resultados e acompanhar se os objetivos foram alcançados ou não.”
Já sobre o perfil dos diretores que devem cuidar desse tema, Vinicius coloca que precisam ser pessoas de C-Level, o mais alto escalão organizacional.
“E a partir desse processo, com certeza a cada dia vão surgir mais diretores de felicidade. Mas antes disso, é preciso ter mais programas de felicidade e treinamentos para capacitar os líderes e colaboradores sobre o conceito da felicidade corporativa”, aponta o fundador da Vinning, Vinicius Kitahara.
Como medir o impacto na felicidade dos colaboradores?
Ao realizar a implementação de um novo benefício, política ou ferramenta, uma das principais dificuldades do RH é demonstrar os impactos que essa nova ideia tem entre os colaboradores e na organização como um todo.
No caso da felicidade corporativa, Vinicius conta que há alguns modos, como pesquisas quinzenais opinativas com os colaboradores, além de uma observação minuciosa em dados sobre engajamento, produtividade, turnover, retenção de talentos e afastamento por doenças ocupacionais.
“Você vê como está o engajamento dos times e da cultura da empresa, e compara com quando não havia o programa de felicidade corporativa”.
Outra métrica são os resultados financeiros. Se o caixa da empresa vai bem, é sinal de que a felicidade corporativa obteve sucesso. “Então, é uma somatória de fatores, inclusive o resultado final da empresa”, diz.
Gustavo Arns aponta que é preciso olhar para além de cargos e salários para saber se um trabalhador está satisfeito com a empresa. Ele traz para o debate as chamadas atividades intencionais, que são as escolhas em prol da construção da felicidade.
“Não é possível falar, por exemplo, de saúde no trabalho e saúde fora do trabalho. A saúde é uma só. Se a pessoa está doente em casa e vai para o trabalho, a doença vai junto. O ponto da felicidade é o mesmo, nós não podemos destacar a felicidade no trabalho, da felicidade do indivíduo. Então, há pouca ligação com salário e cargos, as conexões entre esses pontos, que são circunstanciais, têm um impacto muito pequeno na nossa felicidade”, ressalta.
Quanto a possíveis resistências sobre a incorporação de departamentos ou mesmo de atitudes que visem a felicidade corporativa, Vinicius Kitahara explica que há pouca intolerância.
“A primeira reflexão que a gente tem que trazer é o que de pior pode acontecer quando se traz um letramento do time sobre a cultura de felicidade corporativa? A resistência sobre isso é muito baixa. Ao cuidar das pessoas, o retorno é alto e o risco é baixo, existem muitos benefícios.”
Além das lideranças, os colaboradores também se engajam muito bem, avalia Vinicius. Segundo ele, o movimento da felicidade corporativa se expande por meio das repercussões positivas, com os cases construídos e a oportunidade de deixar uma contribuição inspiradora.
“As pessoas querem fazer algo que elas olhem para trás na carreira e falem: ‘nossa, olha como eu contribuí’. Assim, ao invés de ser um alguém que destruiu ao longo da carreira, é uma pessoa que ajudou a construir e deixa um legado positivo.”
Quais iniciativas possíveis para aumentar a satisfação?
Para revelar quais iniciativas mais interessantes para aumentar a felicidade corporativa, Vinicius recorre à “Study of Adult Development”, a mais ampla e duradoura pesquisa sobre Ciência da Felicidade, feita nos últimos 86 anos pela Universidade de Harvard.
Chefiada atualmente pelo professor e psiquiatra Robert Waldinger, essa pesquisa acompanha a vida de centenas de pessoas e, segundo seus resultados, o fator que mais contribui para a felicidade são relacionamentos de qualidade e de confiança, o que é confirmado pelos colaboradores das empresas quando isso é levado durante o mapeamento realizado pela consultoria de Vinicius.
“Pode ficar surpreso. A resposta média é que de duas a três pessoas é o número que os colaboradores declaram sobre quantas relações de qualidade e confiança eles têm no trabalho”, revela Vinicius.
“É preciso montar programas em que os indivíduos tenham mais relações de qualidade e confiança de uma maneira intencional, dentro de uma ação corporativa. Isso faz toda a diferença e é um caminho que a ciência provou e que traz resultados”, coloca.
A discussão do tema dentro da organização, com a participação dos colaboradores, é um ponto-chave sobre o modo de estabelecer a felicidade corporativa, diz Gustavo.
“Falar sobre saúde, ouvir os colaboradores em relação ao que é felicidade para cada um deles, trazer os conhecimentos da ciência, e a partir daí começar a elaborar uma possibilidade de gestão por propósito, uma gestão que cuide da saúde mental dos colaboradores e que traga o autoconhecimento para dentro da organização, com foco no ser humano.”
Como implementar o Departamento de Felicidade?
A implementação do cargo de CHO ou mesmo a estruturação de um Conselho ou Departamento de Felicidade são o grand finale de toda uma série de decisões sobre felicidade corporativa. “É a cereja do bolo, é uma coisa muito grandiosa, para ser realizada lá na frente”, admite Vinicius.
O primeiro passo é o letramento, com palestras, treinamentos, imersões e outros métodos de educação corporativa sobre Ciência da Felicidade.
Após isso, a empresa pode recorrer à montagem de um programa de felicidade corporativa, uma jornada que precisa ser consistente ao longo dos anos. “Comece a plantar hoje um projeto que vai ser colhido nos próximos dois, cinco, dez anos”, diz.
O terceiro e último passo é criar um cargo, pois assim a felicidade corporativa já pode ser vista como uma estratégia madura.
“Se for nomeada uma diretoria de felicidade é porque, de fato, tem um peso de uma diretoria, é algo relevante. Se não der para ser uma diretoria ainda, comece com uma gerência ou uma coordenação, mas é preciso entender que quanto maior o cargo para o conceito de felicidade, significa que a empresa de fato abraçou a causa.”
“Brinco que, se tem uma reunião com uma diretora e uma com o estagiário no mesmo horário, qual reunião as pessoas aparecem? Óbvio que elas vão encontrar a diretora. Essa questão hierárquica, que tem um peso de priorização e o primeiro passo é começar”, conclui Vinicius Kitahara.