O indivíduo que se fecha a novas atualizações, que tem arrepios de conhecer novidades e que se nega de qualquer maneira a pensar, agir e ver as coisas de modo diferente, é alguém teimoso, um “cabeça dura” como se diz por aí.

Na sabedoria popular há até um termo para essa intransigência: Síndrome de Gabriela. Com o lema “eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim” – trecho da letra da música “Modinha para Gabriela”, de Dorival Caymmi –, a personagem do livro “Gabriela Cravo e Canela”, de Jorge Amado, que leva a vida livre nas ruas de Ilhéus.

Mas se no livro/filme/novela esse jeitinho turrão da protagonista encanta, no mundo corporativo, em um cenário cada vez mais dinâmico e em constante transformação, um profissional inflexível, com pavor de mudanças, corre o enorme risco de perder valor e ficar desprestigiado.

E essa questão tem se tornado um problema com traços preocupantes às organizações, que observam uma mudança de perfil entre os profissionais que estão a entrar no mercado de trabalho e aqueles que chegavam até (poucos) anos atrás. 

Isso pode ser visto, por exemplo, no estudo apresentado pela consultoria Gartner. Se em 2016, 74% das pessoas estavam abertas à mudança, enquanto as empresas tinham apenas duas grandes mudanças por ano, em 2022 os lados inverteram bruscamente, com as empresas passando a um cenário de 10 mudanças importantes por ano, enquanto apenas 43% das pessoas estavam abertas à mudança. 

Mas a partir disso, surge um outro ponto: será que as mudanças no meio corporativo estão acontecendo em uma velocidade e quantidade tão altas, que não há tempo para que essas novidades sejam processadas e aplicadas?

Bora analisar o assunto?

O mercado mudou rápido ou os profissionais ficaram menos flexíveis?

Expansão do trabalho remoto e híbrido, adoção de tecnologias digitais como a Inteligência Artificial, flexibilidade da jornada de trabalho, proposta ESG, exigência de aprendizado contínuo, etc.

Como se pode observar, a lista de inovações que o mercado de trabalho abraçou nos últimos anos é grande, impulsionadas principalmente pela tecnologia, mudanças nas expectativas dos profissionais e eventos globais, como a pandemia de COVID-19. 

Essas mudanças enormes exigem uma capacidade de adaptação dos profissionais.

Mas o ponto vai além de se limitar a fazer somente aquilo que é demandado, seja em possíveis inflexibilidades em relação à gestão, jornada ou aprendizados.

“O contexto é mais complexo. O mercado tem mudado numa velocidade maior em função do advento da própria tecnologia e da própria demanda de consumo”, afirma Rogério Babler, especialista em neuroliderança e diretor na MHConsult.

Ele também toca em outro ponto: a mudança pode ser desconfortável para muitas pessoas, mas colocá-las a par do propósito dessas inovações ajuda a aceitá-las. 

“Quando se está em um cenário que as empresas estão passando por 10 mudanças no ano, não dá tempo de se consolidar o resultado na mudança. E isso vai ampliando e potencializando a dificuldade de lidar com esse cenário de uma maneira serena”, analisa.

“Ou seja, o estresse vai aumentando exatamente porque você não vê impacto da solução das suas ações frente àquelas mudanças. Não dá tempo de atender e responder à mudança, porque já vem outra mudança, e isso deixa as pessoas menos tolerantes às novidades”, continua Rogério. 

A inflexibilidade corporativa é uma “via de mão dupla”?

Empresas que não incentivam as inovações e em que a cultura organizacional é deixada para escanteio, existem e não são poucas. 

Então, do mesmo modo que há profissionais inflexíveis quanto ao futuro, há organizações que repelem toda e qualquer novidade corporativa, ignorando que a gestão precisa abrir os olhos para o novo.

“O conceito de inflexibilidade no trabalho fala sobre a resistência às mudanças ou a capacidade de adaptação a novos contextos, circunstâncias, tecnologias e formas de realizar o trabalho. Entendo que é sempre uma via de mão dupla, contudo, cada um precisa da sua perspectiva, em se responsabilizar pelos caminhos que constrói para que essa relação se torne longeva”, explica Fabrízia. 

Rogério Babler salienta a necessidade de que a liderança se coloque à frente dessa inovação, esclarecendo o significado da mudança e o que as pessoas ganham com ela.

“Se isso for feito, as pessoas tendem a querer ir ao encontro da mudança. Esse processo se facilita por meio desse processo de visualização do que as pessoas podem ganhar”, diz.

Por que profissionais se tornam menos flexíveis?

Não aceitar alguma mudança por si só está longe de fazer um profissional ganhar o selo de eterno inflexível. E nem alguém que acate todas as propostas pode ser considerado como um inovador.

O diretor da MHConsult cita dentro desse contexto o efeito Dunning-Kruger, um viés cognitivo que leva pessoas com baixa competência a superestimar suas habilidades, enquanto pessoas com alta competência subestimam as suas. 

“O indivíduo não vê a situação corretamente, pois não há a capacidade técnica de discernimento, competência ou experiência para lidar com tanta mudança e vai aceitando. Isso também não é bom, porque no final das contas não vai chegar ao resultado esperado”, ressalta Rogério.

Já a diretora da Selpe Advisory explica que as mensagens corporativas encaminhadas com clareza conseguem de maneira efetiva contrabalancear qualquer percepção negativa da mudança.

“Transferir valor para os colaboradores é uma responsabilidade da empresa e das lideranças, e os colaboradores se sentem incentivados ao perceberem que mudança não necessariamente significa perda, que pode significar evolução”, reitera Fabrízia.

A inflexibilidade impacta de qual maneira o desempenho de uma empresa?

A inflexibilidade consegue impactar o desempenho organizacional de variadas maneiras, ao afetar a criatividade e a inovação, atrasando a chegada de novas tecnologias e métodos.

Os perigos de ter um ambiente inflexível são:

“Quando se pensa na última linha em torno de resultado, todas as pessoas que não conseguem acompanhar a mudança, tracionam para trás, deixando o processo mais lento, e os resultados tendem a vir a contagotas, ou mesmo não vir”, explica Fabrízia Soares.

E ela continua: “Tanto as relações quanto os resultados podem ser muito impactados. Fazer gestão da mudança e gerar oportunidade de transformação é um cuidado que os executivos precisam ter quando pensam em pessoas e planejam os resultados esperados de um processo de gestão de mudança”.

Um ambiente flexível molda o colaborador a ter mais flexibilidade?

O ambiente de trabalho tem um papel fundamental para moldar a atitude do colaborador, que vai valorizar o que for valorizado ali dentro, inclusive a flexibilidade, aponta Fabrízia. 

“Quando se trabalha a influência nas pessoas e nos ambientes corporativos, o primeiro gatilho é o que valoriza essa cultura de aprendizado contínuo, de adaptabilidade, de abertura a novas ideias, ao risco, em como lidar com o erro, para que as lideranças, que são o segundo vetor, possam incentivar suas equipes, reduzir resistências e aumentar a aceitação”. 

Rogério traz a visão de que é preciso reduzir o pessimismo dentro do ambiente corporativo, segundo ele um gatilho, um sistema de proteção que garante a sobrevivência. “Diferente do pessimismo, o otimismo é uma competência a ser desenvolvida”.

E como desenvolver o otimismo? Ele explica: 

  • Ao reconhecer o pessimismo ou a inflexibilidade;
  • Orientando o pensamento para um propósito sobre ganhos desejados, com significado;
  • Desenvolvendo uma narrativa otimista que vai ao encontro do sucesso desses ganhos almejados, de pequenas ações diárias.

“Tem três formas que você pode ter uma pessoa mais flexível. O primeiro é inato, já é uma característica da pessoa. O segundo é através de emulação, ou seja, o ambiente que ela convive. E por fim, é com treinamento. A educação pode ajudar a ampliar a consciência e, se a pessoa desejar, ampliar a capacidade flexível”, argumenta o diretor da MHConsult. 

O risco e os motivos da inflexibilidade corporativa na Geração Z

Geração Z: eles são menos flexíveis?

Dados de uma pesquisa da Talent Academy, startup de soluções para Recursos Humanos, realizada entre agosto de 2020 e agosto de 2023 com 4.859 empregados em médias e grandes companhias, coloca os trabalhadores da Geração Z (1997 a 2010) como os menos flexíveis dentro do ambiente organizacional em relação a outras gerações. 

Enquanto na pontuação estimada pelos pesquisadores os Zs ficaram com 56 pontos no quesito flexibilidade, as outras gerações alcançaram 61 pontos. 

Rogério repulsa os resultados das pesquisas sobre as habilidades da Geração Z. “São levantamentos superficiais que, na minha opinião, chega a ser leviano você rotular que uma geração é mais ou menos que a outra”.

“No momento em que trabalhadores das gerações Baby Boomer e X estão no final da vida profissional, obviamente, que durante um levantamento de pesquisa se entreviste mais pessoas jovens. Mas não acredito que é a questão da geração propriamente dita”, continua.

Fabrízia também pede cuidados quanto a esse tipo de categorizações. Ela, inclusive, cita as características e qualidades dos indivíduos dessa geração, como a busca por autenticidade, a autonomia, a valorização da diversidade e inclusão e a visão crítica das relações de poder e de autoridade.  

Segundo ela, isso tudo pode fazer com que eles sejam vistos como mais rígidos em relação às exigências para o mercado, mas que na verdade buscam ambientes que alinhem seus princípios e suas necessidades àquilo que é praticado. 

“Então essas mensagens corporativas não são sinérgicas com as necessidades já mapeadas para essa geração. Aí pode ter uma leitura equivocada de flexibilidade ou inflexibilidade”, sinaliza.

Estratégias para fortalecer o relacionamento dos colaboradores com a empresa em períodos de adaptação e mudança

A flexibilidade maior ou menor em períodos de adaptação passa por engajar e motivar os talentos da equipe. E promover esse aumento no nível de comprometimento passa pela atuação dos líderes, explicam os especialistas.

“Pela perspectiva de gestão de pessoas, o ponto central é o envolvimento das lideranças, que devem ter clareza do papel como potencializador do processo e como mediador de situações que podem surgir ao longo da caminhada. Outro ponto é trabalhar um feedback contínuo e regular”, analisa Fabrízia.

Já o segundo ponto, continua o diretor da MHConsult, é ajudar as pessoas a visualizarem o que elas ganham ao realizar a mudança. Isso deve ser feito por meio do gatilho cerebral que leva as pessoas a buscarem a mudança para satisfazer as próprias expectativas.

“Esse é um superbenefício para o negócio, porque quando o colaborador está realizando as próprias expectativas, que pode ser um crescimento profissional, aumento de salário ou maior visibilidade, há a ideia de colaboração para a empresa. Então, visualizar o propósito, ajudar as pessoas a visualizarem o que elas ganham com isso.”

De acordo com a diretora da Selpe Advisory, nesse processo de fortalecimento, é preciso acessar todos os profissionais da empresa, do CEO ao colaborador da base.

“É importante pensar como essa comunicação vai chegar, como ela vai alcançar cada colaborador e quais ferramentas a gente vai usar em parceria com as outras áreas de marketing, comunicação interna, nos fóruns de liderança para esclarecer diretamente todos os elementos que possam gerar uma parceria interna na direção da história de sucesso que se quer construir” explica Fabrízia.

Quais programas e ações podem ser implementados para beneficiar a todos?

Há um conjunto de ações que podem ser orientadas para que se amplie a consciência sobre as mudanças relativas à percepção dentro da organização.

Rogério lista programas de desenvolvimento de liderança, workshops com as equipes e o team building. Tudo em busca de expandir a relação e a cultura da confiança, e, por consequência, a segurança psicológica, para que se construa um time orientado à colaboração, à autonomia e à inovação.

“Quando os programas, de maneira conjunta e organizada, trabalham nesse sentido, o time em geral fica mais flexível em relação às mudanças”, diz.

Segundo Fabrízia, é necessário pensar em iniciativas que sejam estruturantes para que se extraia indicadores qualitativos e quantitativos.

“Nem sempre bons números traduzem bons resultados. Precisamos trabalhar uma leitura adequada de contexto, de cenário, com uma visão da liderança nesse olhar ‘one-on-one’ (conversas rápidas e periódicas entre gestores ou líderes com membros do seu time) para garantir que a gente possa somar olhares e garantir uma leitura adequada e assertiva de contexto”, completa. 

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