Sinônimo de gerenciamento responsável e transparente, a governança corporativa é um reconhecido conjunto de práticas administrativas, cada vez mais vistas como aliadas de gestores empresariais.
Ficou interessado em como fazer a sua empresa abrir os braços para esse novo modelo de gestão? O blog da Alelo explica como alinhar esses princípios corporativos à sua estratégia de negócios. Vamos nessa?
O que é governança corporativa?
O termo governança corporativa abrange um sistema de princípios, políticas, práticas e processos bem estruturados, pelos quais uma empresa é administrada.
O seu surgimento tem como objetivo definir limites entre a propriedade e a gestão, com um monitoramento das decisões que deixe interesses pessoais de lado, na busca de um bem comum.
Assim, a partir da governança corporativa, uma empresa busca um gerenciamento ético, de modo mais aberto possível, para proteger os interesses dos stakeholders envolvidos, por exemplo:
- Acionistas;
- Investidores;
- Gestores;
- Conselho;
- Colaboradores;
- Clientes;
- Fornecedores;
- Sociedade.
Este modelo surgiu no início da década de 1990 por meio de trabalhos como o Relatório Cadbury, na Inglaterra, e da norte-americana General Motors (GM).
Organizar as relações
De acordo com o Gerente de Pesquisa e Conteúdo do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Luiz Martha, essa é uma forma de gerenciamento organizada pelo ponto da parte de cima da gestão, ou seja, pelo conselho administrativo e por gestores.
“É sobre como se vai organizar as relações entre os sócios e o conselho, entre o conselho e a gestão, entre a gestão e os colaboradores, etc. [Isso acontece] De forma a garantir que cada um esteja cumprindo o seu papel e desempenhando as suas funções para, assim, atingir os objetivos da organização”, explica Luiz.
A governança corporativa aproxima as empresas de seu papel na sociedade, com o respeito às práticas positivas do ESG, sigla em inglês que significa Meio Ambiente (Environment), Social (Social) e Governança (Governance), e da adesão ao capitalismo consciente.
“Uma governança bem alinhada está com papéis, estruturas e processos bem definidos, e isso ajuda com que essa administração seja melhor executada. Então a chance de que a empresa consiga se perpetuar acaba aumentando, porque estará mais bem gerida”, explica o gerente do IBGC.
Princípios básicos da governança
Autoridade no assunto, o IBGC aponta, por meio de seu Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, os princípios básicos dessa forma de gerenciamento.
Revisado periodicamente, o documento é pioneiro no Brasil em estimular o uso consciente e efetivo dos instrumentos de governança corporativa.
Em 1º de agosto, foi lançada a 6ª edição do código, com modificações importantes no projeto anterior. Essa versão atualizada foi estruturada com consultas a usuários do código e a partir de pesquisas aprofundadas em 15 códigos de governança de outras entidades e organizações internacionais ou multilaterais.
A maior novidade do documento é a inclusão de mais um princípio básico da governança corporativa, totalizando agora cinco itens:
- Integridade (novo princípio);
- Transparência;
- Equidade;
- Responsabilização;
- Sustentabilidade.
Integridade
Mais novo fundamento da governança corporativa, a integridade é relacionada com a cultura ética no ambiente das empresas.
Esse termo está em conformidade com o conceito de compliance, um conjunto de medidas e procedimentos que visa evitar e detectar fraudes e outras posturas antiéticas no ambiente corporativo.
“Quando falamos em promover essa cultura ética na organização, é que, de fato, alinhar discurso e prática é fazer aquilo que você prega e pregar aquilo que você de fato tem como ações, alinhado aos preceitos éticos”, continua o gerente do IGBC.
Transparência
Uma das normas fundamentais da governança corporativa, a transparência é entendida como um modo de construção de confiança entre os stakeholders.
Esse relacionamento sincero inclui informações que sejam de interesse de todas as partes envolvidas e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos.
Segundo Luiz, esse é um tipo de valor corporativo muito bem estimado pelo mercado em geral.
“A transparência traz as informações de que o investidor precisa para entender a atuação daquela organização, se ele quer manter o seu investimento ou não”, explica.
E ele continua: “A gente está falando também dos colaboradores, [pois serve] para eles entenderem se, de fato, a organização está lidando adequadamente com as questões trabalhistas, por exemplo. É importante para a sociedade também, pois assim as pessoas podem entender os impactos que aquela organização causa, e assim sucessivamente [com os outros envolvidos]”.
Equidade
A equidade consiste no tratamento justo e imparcial de todos os atores envolvidos. Com o tratamento isonômico das partes, são preservadas questões, como: direitos, deveres, necessidades, interesses e expectativas.
Note-se que a palavra “equidade” não tem o mesmo significado que “igualdade”. Isso porque, se a igualdade servir de condição em um cenário onde as partes não são iguais, ela acabará gerando abismos ainda maiores.
Responsabilização
Antes chamada de prestação de contas, a responsabilização (accountability) tenta trazer para a governança corporativa ideias, como: comprometimento organizacional dos envolvidos, transparência dos atos e responsabilidade na execução das próprias demandas.
Luiz explica que a mudança da nomenclatura nessa nova edição do código tem como objetivo “comunicar melhor” o termo.
“Sempre havia uma confusão do que era prestação de contas e do que era transparência. Esse princípio da prestação de contas agora chamamos de responsabilização para deixar claro que está falando do papel dos líderes e administradores de se responsabilizarem pela sua atuação”, explica Luiz.
Sustentabilidade
Também uma nova nomenclatura dentro do código, a sustentabilidade assume o lugar da responsabilidade corporativa.
A nomenclatura foi adotada pelo IBGC porque a responsabilidade corporativa estava muito vinculada ao papel da organização em relação a ela mesma, ao contrário da sustentabilidade, que tenta garantir uma viabilidade a longo prazo em respeito a partes interessadas, sociedade e meio ambiente.
“A sustentabilidade amplia essa visão. Com ela, a empresa interage com a sociedade e o meio ambiente, como um agente que busca soluções”, analisa o supervisor do instituto.
Outros destaques do novo código
Também se destacam no conteúdo recém-apresentado pelo IBGC questões como:
- A interdependência entre as organizações e as realidades econômica, social e ambiental em que elas estão inseridas;
- Maior ênfase na governança de stakeholders;
- Importância da diversidade e pluralidade de perspectivas nas organizações e em seus órgãos de governança;
- Consolidação do tema de conflitos de interesse e a necessidade das organizações de terem práticas para identificá-los e tratá-los;
- Nova seção sobre área de governança e o governance officer (administrador de governança);
- Temas da Agenda Positiva de Governança lançada pelo IBGC em 2020, refletidos ao longo de todo o documento (ética/integridade, diversidade/inclusão, ambiental/social, inovação/transformação, transparência/prestação de contas e conselhos do futuro).
Desafios de implementar a governança corporativa
Mesmo sendo um mecanismo cada vez mais comum nas organizações empresariais, Luiz Martha considera a entrada da governança corporativa nas empresas ainda um grande desafio.
A definição de responsabilidades, as mudanças de divisão de poder e a “despersonificação”, consequências da aplicação da governança, são situações complicadas de administrar.
“[No Brasil], a nossa grande realidade são negócios familiares, empresas de controlador, com um único dono. Então é difícil esse momento, em que as responsabilidades vão sendo divididas e o controlador ou o dono precisa abrir mão de seu poder único, [saber] que algumas responsabilidades não vão ser mais dele, e sim de um diretor executivo, que ele vai ser só um sócio dessa organização”, avalia.
O gerente do IBGC entende que a implementação da governança é mais difícil de trabalhar com gestores e administradores, mas é preciso mudar a cultura da empresa como um todo, inclusive dos colaboradores, que vão ter que lidar com uma nova forma de fazer as tarefas.
“Acontece essa mudança de rotinas e processos. ‘Ah, sempre foi assim, mas agora a gente vai ter que fazer diferente, para ser mais transparente, formal e adequado’. É também uma mudança cultural bastante grande”, ressalta.
Empresas diferentes pedem maneiras diferentes de governança corporativa
Há maneiras diferentes de acionar a governança corporativa para cada modelo empresarial.
Luiz explica que, em linhas gerais, os princípios são os mesmos para todos, mas o que vai diferir são as práticas e os detalhes, se a forma de fazer a inserção do novo modelo é mais brusca ou suave, por exemplo.
“Assim como há problemas diferentes em empresas familiares, startups, grandes, pequenas, etc., será preciso adotar mecanismos diferentes em cada caso”, alerta Luiz.
Ele ilustra, ainda, alguns casos, como o das empresas que são controladas por membros de uma família, em que é preciso evitar que os problemas de relacionamento entre esses familiares interfiram nos negócios.
Já no cenário das startups, Luiz explica que, por crescerem rapidamente, pede-se mecanismos que não engessem a empresa, com uma governança mais ágil e menos protocolar.
Por outro lado, uma empresa de grande porte necessita de muito controle e formalismo para que as coisas funcionem de modo estratégico e se consiga tomar conta de um ambiente amplo, com questões como: estruturas, departamentos e funcionários em variados níveis e formatos.
“A governança não tem um tamanho único, e é preciso adaptar a realidade de cada organização para, assim, ajudar a solucionar os desafios que cada organização vai ter”, garante.
Governança corporativa atrai investidores
O mercado vê com bons olhos empresas que valorizam a governança corporativa. Ter sucesso nesse sentido é certeza de atrair investidores.
“Dificilmente uma empresa que não esteja organizada nesse sentido vai conseguir ter uma relação boa com investidores”, afirma o gerente do IBGC.
Como exemplo, ele cita que, durante o lançamento do novo código, gestores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) explicaram que a avaliação do processo de investimentos da organização financeira recomenda que a empresa tenha, ao menos, uma mínima estrutura de governança corporativa.
Caso contrário, haverá a recusa de injeção de capital já no crivo inicial do processo.
“Para uma empresa ir para Bolsa de Valores, é preciso um padrão mínimo de governança corporativa, e não há espaço para empresas muito fechadas. Tem que ter transparência, um conselho bem estruturado, mecanismos de controle, de compliance. E mesmo para financiar com bancos, são exigidas estruturas que garantam para o banco que ele vai receber aquele dinheiro de volta”, explica Luiz.
Gestão de riscos e decisões estratégicas
Como a governança corporativa impulsiona descentralização de poder dentro das empresas, com as principais decisões passando por um colegiado ou grupo administrativo, há a diminuição de riscos e menos tomadas de decisões equivocadas, com “mais gente pensando junto e atentas às questões”.
“A governança corporativa tem muito isso de fazer a empresa olhar para frente, traçar estratégias, planos, para que a empresa seja resiliente, sustentável e atinja os objetivos. E para atingir isso, é preciso olhar um pouco para o presente e para o passado, como se chegou até tal momento, etc. Então a estrutura de governança vai olhar para todo esse caminho”, explica.
Governança corporativa e o home office
Com o formato de home office adotado nos últimos anos por inúmeras empresas, muitos colaboradores ficam distantes do dia a dia da empresa.
E o fato da governança ser intimamente ligada a questões da cultura do ambiente de trabalho, essa configuração remota pode dificultar um pouco esse processo de adaptação ao novo papel de todos dentro da corporação.
Governança corporativa, diversidade e cultura organizacional
Conceitos como diversidade e cultura organizacional ganharam especial relevância nos últimos anos dentro das corporações. Para que traga resultados satisfatórios, a governança corporativa precisa estar alinhada com esses outros aspectos, explica o porta-voz da IBGC.
A diversidade – cultural, racial, de gênero – é um fator que facilita e fomenta o aparecimentos de visões diferentes dentro do processo de tomada de decisões em uma estrutura empresarial
“Pense em um conselho de administração onde todos são formados nos mesmos cursos, com a mesma perspectiva social, racial e cultural. Provavelmente todo mundo vai ter a mesma forma de pensamento, tudo muito parecido, a mesma perspectiva de mundo, os mesmos preceitos e lógica de decisão”, pondera Luiz.
A diversidade, explica ele, traz perspectivas de mundo e visões diferentes, que enriquecem o processo decisório, mas também cumpre o papel relevante das organizações como agente social.
“Então, além de ser uma coisa importante para a própria organização, é um papel social das empresas incluir essas pessoas. São os lados dessa moeda”, diz.
Como medir resultados da governança corporativa?
Não há um modelo exato de avaliar se os princípios básicos da governança corporativa foram implementados com eficiência. É preciso dimensionar isso no dia a dia da empresa, para saber se a governança está funcionando de modo satisfatório.
Luiz Martha explica que o IBGC conta com duas ferramentas de métricas de autoavaliação de governança, mas que elas não trazem resultados exatos sobre a atuação, e sim observações e impressões a respeito do cotidiano do ambiente corporativo.
“Tem mais a ver com percepção, se aquilo está ajudando a empresa a solucionar as suas necessidades”, afirma o integrante do IBGC.
Essa autoavaliação e a proposição de novos caminhos da governança, geralmente, é feita pelo próprio conselho administrativo, formado por sócios e acionistas. Mas conforme essa discussão amadurece, cria-se um setor de governança.
“Os integrantes dessa área acabam responsáveis por estruturar e organizar essa função de governança”, explica.
Governance officer
O crescimento de empresas que aderem ao tema também fez surgir o profissional governance officer (administrador de governança), executivo responsável pela estruturação e liderança da área de governança nas companhias.
“Esse líder, que vai chegar para o conselho e falar se a estrutura está adequada ou inadequada, se é preciso reforçar aqui e ali, para [que aconteça] esse processo de amadurecimento”, explica.
Governança corporativa no Brasil
Luiz Martha classifica como “bem tímido” o engajamento de empresas brasileiras em relação a esse modelo.
Companhias listadas na bolsa de valores, de capital aberto, por necessidade de contrato com a instituição do mercado financeiro estão mais maduras nesse sentido, segundo ele.
Já as do segmento tradicional, que não precisam seguir esse tipo de contrato por terem capital fechado, estão comumente em um estágio inicial de governança.
E aí? Como está o grau de maturidade da sua empresa no tema governança corporativa?