Nesses últimos anos, o mundo corporativo viu serem colocadas à tona discussões que antes tinham pouca ou nenhuma relevância no ambiente organizacional, como as conexões geracionais, a implementação de práticas ESG (Ambiental, Social e Governança) e a felicidade corporativa

Mas com certeza, nenhuma dessas questões foi tão debatida por especialistas em palestras, podcasts e textos de blogs e no LinkedIn quanto a saúde mental dos trabalhadores.

As cicatrizes dos anos de pandemia fizeram do cuidado ao bem-estar psicológico dos profissionais algo relevante, e colocaram na ponta da língua de gestores e lideranças palavras e termos como: burnout, qualidade de vida, mindfulness, autocuidado, liderança empática, people first, entre tantas outras.

A evidência do assunto sobre cuidados com o ser humano em nível mundial pode ser observada em alguns dos principais painéis do SXSW (South by Southwest) 2025, um dos maiores eventos de inovação do mundo, realizado entre os dias 7 e 15 de março, em Austin, no Texas (EUA).

Por lá, estiveram no centro das atenções questões demasiadamente humanas e que, de alguma forma, permeiam o tópico da saúde psicológica do homem moderno, entre elas redes sociais, ansiedade, saúde social, trabalho, solidão e outros desafios contemporâneos. 

Mas será que, mesmo com esses olhares cuidadosos, a saúde mental dos trabalhadores está em melhor patamar do que antes? Tudo indica que não e que há, ainda, um longo caminho para que as práticas de bem-estar saia das rodas de conversa e mostre resultados reais.

Pedimos para especialistas em Gestão de Pessoas para analisarem o estado atual do apoio psicológico dentro das empresas e quais caminhos devem ser trilhados para proporcionar aos trabalhadores uma mente sã nos desafios do dia a dia.

Bora lá? 

Crise de saúde mental

Dados de 2024 do Ministério da Previdência Social são alarmantes e mostram que o Brasil vive uma crise de saúde mental com impacto direto na vida de trabalhadores e de empresas. Veja os números:

  • 472.328 licenças médicas concedidas, o que representa um aumento de 68% em relação ao ano anterior;
  • 141.414 afastamentos por ansiedade;
  • 113.604 afastamentos por depressão;
  • 301.348 mulheres afastadas;
  • 170.980 homens afastados.

Essa verdadeira onda de estresse emocional e de transtornos mentais, na maioria das vezes, resulta de metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais, ambiente tóxico, condições precárias e falta de autonomia no trabalho.

Mas esses desafios no cotidiano corporativo não afetam “apenas” as pessoas. Também as empresas saem perdendo nessa, uma vez que um colaborador afastado resulta desde queda de produtividade e danos a cultura organizacional a ações e processos no âmbito jurídico

Em âmbito global, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 12 bilhões de dias úteis sejam perdidos globalmente, todos os anos, devido à depressão e à ansiedade. Isso representa uma perda de US$ 1 trilhão por ano.

Diretor-executivo da Croma Consultoria de Recursos Humanos, Camilo Zanette cita entre os pontos que elevam a problemática da saúde mental a crescente pressão por produtividade, prazos apertados e a dificuldade em equilibrar a vida pessoal e profissional, especialmente quando considerado o modelo de trabalho híbrido ou remoto. 

“Em particular no home office ocorre frequentemente uma ‘confusão’ entre esses dois mundos,”, diz.

Isso deságua ainda na conectividade constante, o que dificulta no desligamento do trabalho, contribuindo para o estresse crônico e a ansiedade. “A sobrecarga de demandas, muitas vezes exacerbada por essas mudanças, tem gerado um cenário propício para o desgaste mental”, alerta Camilo.

Rafael Franco, CEO da Alphacode, corrobora com essa opinião. “No setor de tecnologia, a alta demanda, a pressão por entregas rápidas e a cultura de hiperconectividade contribuem para níveis elevados de estresse e ansiedade”, argumenta. 

Falta de suporte psicológico adequado

Embora ressalte que muitas empresas reconhecem a importância de cuidar da saúde mental de seus colaboradores, Camilo Zanette explica que as ações ainda são majoritariamente reativas.

Segundo ele, há uma falta de suporte psicológico adequado na maioria dos casos e um estigma muito forte, o que impede a busca de ajuda de maneira aberta e segura por parte dos colaboradores.

Para o diretor-executivo da Croma, a transição para modelos de trabalho totalmente remoto ou híbrido trouxe novos desafios, batendo em muros como o isolamento e a dificuldade de comunicação eficaz nas equipes.

Para melhorar esse cenário, acredita Camilo, as empresas precisam passar de uma abordagem reativa para uma mais proativa, com iniciativas estruturadas.

Isso inclui ações como:

  • Treinamento de líderes para reconhecer sinais de sofrimento psicológico;
  • Implementação de programas de apoio psicológico;
  • Criação de um ambiente mais seguro, onde o tema da saúde mental seja tratado sem preconceito.

“Sem sanções ou incentivos legais que obriguem as empresas a adotar essas práticas, a tendência é que os problemas de saúde mental se agravem, afetando tanto o clima organizacional quanto a produtividade”, alega.

Pertencimento e conexão humana

Necessidades essenciais para o bem-estar emocional e psicológico, enquanto o pertencimento é a sensação de fazer parte de algo maior, de ser aceito e valorizado por um grupo, a conexão humana envolve empatia, trocas genuínas e apoio emocional, indo além do simples contato social. 

E o ser humano, como um ser biopsicossocial tem a saúde e o comportamento moldados por uma interação contínua entre fatores biológicos, psicológicos e sociais.

“Quando falamos de pertencimento e conexão humana, esses elementos são fundamentais para criar uma cultura organizacional saudável e engajada, pois influenciam diretamente a motivação, o comportamento e a saúde mental dos colaboradores”, diz Camilo Zanette, da Croma Consultoria.  

De acordo com ele, a sensação de pertencimento e a conexão genuína entre as pessoas no ambiente de trabalho são essenciais para a construção de equipes altamente engajadas e produtivas.

“Quando os colaboradores se sentem parte de algo maior, quando sentem que são valorizados não apenas como recursos, mas como indivíduos, sua motivação tende a crescer significativamente. Isso contribui para um ambiente mais harmônico e reduz os índices de rotatividade”, explica.

E ele continua: “Além disso, o apoio emocional entre colegas e líderes fortalece a confiança e a comunicação, fatores decisivos para a prevenção de problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão”.

Avanços tecnológicos x saúde mental dos colaboradores

A tecnologia está presente a todo momento de nossas vidas, e no ambiente do trabalho isso não é diferente.

Seu uso abusivo, porém, pode ser um fator que desencadeia doenças ocupacionais como o burnout, pois facilita que o trabalhador fique “online” todas as horas do dia. 

Para Camilo Zanette, embora as ferramentas digitais nos permitam estar sempre conectados, elas têm contribuído para um crescente sentimento de solidão e desconexão real. 

“As interações pessoais, que são essenciais para a construção de relações interpessoais genuínas, muitas vezes são substituídas pela comunicação virtual, o que prejudica a criação de um ambiente de trabalho mais empático e colaborativo. Sinto que estamos perdendo algo importante, como o simples cafezinho ou o almoço com os colegas, que são momentos de interação e descontração”, alerta.

Essa necessidade de estar sempre online é outro fator que contribui para o aumento de ansiedade e outras doenças ocupacionais. Para Camilo, o ambiente presencial oferece uma certa flexibilidade, como um pequeno atraso para o início de uma reunião, que é facilmente compreendido devido a fatores como o trânsito ou o fim de outra reunião. 

“Um atraso de um minuto em uma reunião online pode ser interpretado como uma falta de profissionalismo. A pressão para estar sempre ‘on’ e a exigência de respostas imediatas têm dificultado a separação entre vida pessoal e profissional”, explica. 

O incentivo a práticas saudáveis, como pausas regulares, gestão eficiente do tempo e respeito ao horário de descanso precisa estar presente, diz Rafael. 

“Diferente de muitas empresas, não temos uma cultura de estar sempre online ou de responder mensagens fora do horário de trabalho, o que contribui para um ambiente mais saudável”, afirma. 

A evolução dos cuidados com a saúde mental é pouco significativa?

Mesmo sendo a saúde mental em ambientes corporativos um tema urgente e amplamente debatido, os resultados, por hora, são pouco significativos quanto à diminuição de casos.

Mas por que isso acontece? Para Camilo Zanette, muitas empresas ainda não implementaram políticas eficazes de apoio e um dos principais motivos para isso é a falta de compreensão sobre o impacto direto que a saúde mental tem na produtividade e no clima organizacional, o que resulta em uma “visão limitada” do assunto.

“Muitas organizações ainda veem a saúde mental como um custo imediato, em vez de perceberem que se trata de um investimento a longo prazo, que pode resultar em um ambiente de trabalho mais saudável e, consequentemente, mais produtivo”, afirma.

Rafael Franco, da Alphacode, concorda.  Segundo, ele, a ideia de que o estresse é um “custo inevitável” do trabalho precisa ser superada “Empresas que valorizam o bem-estar de seus colaboradores colhem benefícios diretos, como maior produtividade, retenção de talentos e um time mais engajado”, reconhece.

Com a entrada em vigor a partir de 26 de maio de 2025 de atualizações da Norma Regulamentador nº1 (NR-1), que inclui o gerenciamento de riscos como metas excessivas e jornadas extensas, as organizações terão que adotar medidas mais rigorosas.

“As empresas estarão sujeitas a multas e outras sanções. Creio que essa mudança na regulamentação vai pressionar a tratarem a questão de forma mais séria e estruturada”, ressalta Camilo.

A evolução dos cuidados com a saúde mental é pouco significativa?

Como lidar de forma saudável com o trabalho?

O adoecimento e a desconexão com o trabalho podem ser vistos como questões intrínsecas à vida moderna, especialmente no atual contexto, onde a sociedade se torna cada vez mais digitalizada e competitiva, o que míngua as relações humanas.

Camilo Zanette lista a pressão constante por resultados, a dificuldade de estabelecer limites claros entre a vida pessoal e profissional e o ritmo acelerado do dia a dia como fatores que contribuem para o aumento dos problemas de saúde mental.

“Além disso, a alienação no trabalho, um fenômeno crescente, intensifica ainda mais esses desafios, criando um ambiente propício para o estresse e a exaustão emocional”, afirma.

Para lidar com isso de maneira saudável, Camilo diz que as pessoas precisam adotar estratégias que promovam a gestão de tempo eficaz, o estabelecimento de limites claros para evitar a sobrecarga e a incorporação de atividades que promovam o bem-estar físico e mental, como ter momentos de pausa e de lazer para recarregar as energias.

No entanto, as organizações também têm um papel fundamental para que isso realmente aconteça.

“Elas devem criar ambientes de trabalho que priorizem o bem-estar dos colaboradores, oferecendo programas de apoio emocional e promovendo uma cultura que valorize a saúde mental. Acredito que com essa abordagem é possível iniciar a ‘blindagem’ dos profissionais contra o adoecimento e manter um desempenho saudável e sustentável a longo prazo”, completa o diretor-executivo da Croma. 

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