Ter o “escritório em casa”, uma tradução livre para home office, transformou-se em uma necessidade mundial em 2020. O objetivo era claro: fazer o máximo de pessoas pararem de circular para deter a disseminação da pandemia de Covid-19, deixando-as em casa no chamado distanciamento social, ao mesmo tempo tentando manter a continuidade das atividades das empresas.
Corta para o ano de 2025. Com bilhões de pessoas vacinadas ao redor do mundo, a redução de circulação delas há muito tempo deixou de fazer sentido e o trabalho remoto parece ter perdido a força entre os gestores das maiores organizações mundiais.
A lista de quem cortou ou tem diminuído exponencialmente o número de colaboradores em home office ou até mesmo em trabalho híbrido é longa, indo da instituição financeira JP Morgan Chase, à gigantesca Amazon, passando pela Apple, Google Disney, IBM, Meta e Dell. Até mesmo o Zoom, que foi sinônimo do trabalho remoto durante a pandemia, anunciou que os funcionários devem voltar ao escritório.
De acordo com um relatório do Flex Index, 32% das empresas dos EUA exigiram que os trabalhadores estivessem no escritório em tempo integral no quarto trimestre de 2024. Já o relatório anual da KPMG, indica que “65% dos CEOs preferem o retorno definitivo ao trabalho presencial, refletindo uma tendência a priorizar interações presenciais”.
Esse pé atrás com o trabalho remoto também está acontecendo nas empresas brasileiras. Um levantamento realizado pela Mercer Brasil revelou as impressões dos gestores sobre o sistema remoto, e dos 365 profissionais de Recursos Humanos entrevistados:
- 76% citam ter insegurança sobre a produtividade no sistema remoto;
- 66% mencionam excesso de reuniões;
- 51% têm dificuldade em acompanhar iniciantes;
- 61% apontam a liderança como um desafio;
- 52% consideram a cultura organizacional um impeditivo.
Para saber se o benefício de trabalhar em casa vai persistir ou virar apenas uma lembrança pandêmica para a maioria, perguntamos a profissionais do RH qual será o impacto disso na relação entre empregador e empregado. Bora lá saber mais?
O retorno ao trabalho presencial é uma tendência?
Limpar a poeira de escrivaninhas e cadeiras, e convocar a equipe para ficar todos ou a maioria dos dias da semana no escritório, parece ser uma tendência no mundo corporativo. Mas por que isso está acontecendo?
Para a especialista em Carreira & Liderança Femininas, Priscilla Couto, o retorno ao presencial está acontecendo, mas ela não acredita que seja um fim para o home office.
“Eu fico me perguntando se é uma necessidade já avaliada pela empresa, ou apenas estão seguindo a manada”, avalia.
“Espero que o trabalho remoto não se torne apenas uma lembrança, até porque já está mais do que claro a eficiência dele, pois oferece mais qualidade de vida aos colaboradores. Agora talvez seja o momento de estruturar todo o processo”, continua Priscilla.
A especialista em RH se coloca como defensora do modelo híbrido por oferecer o melhor dos dois mundos:
- “Permite momentos presenciais estratégicos para colaboração e cultura”;
- “Mantém a flexibilidade que os profissionais valorizam”;
- “Garante que as empresas aproveitem os benefícios da produtividade remota”.
Já para o mentor de carreira e psicólogo Paulo Leitner, da Voiss, há também uma visão de empresas que nasceram com o sistema de home office como uma cultura corporativa. Ele dá como exemplo startups nascidas nos últimos cinco anos.

“O full remote não será apenas uma lembrança. Precisamos ter em mente que de lá para cá muita empresa já nasceu nesse modelo. E a tendência é que as novas empresas que surjam, mesmo agora livres do lockdown, já nasçam adotando uma flexibilidade muito maior do que as empresas que começaram em um cenário 100% presencial”, argumenta Paulo.
Para ele, apesar de haver uma significativa diminuição da oferta de vagas remotas, em algumas áreas em específico, como tecnologia, dados e produtos, já é bastante difícil contratar não oferecendo flexibilidade. “Empresas 100% presenciais realmente sofrem com este público”.
A cultura organizacional precisa do escritório?
Para os detratores do trabalho remoto, a falta da presença da equipe no escritório coloca em risco o sucesso dos negócios, impede a construção de uma cultura organizacional sólida e afeta questões como: colaboração, inovação, engajamento e produtividade.
Apesar de concordar que a presença cotidiana facilite a implementação da cultura colaborativa, Priscilla diz que o que se vê no mercado é diferente.
Ela aponta que modelos de liderança ultrapassados causam maiores problemas e acaba sendo esse o principal motivo para que as pessoas deixem as empresas.
“Precisamos compreender que o modelo de 10 anos atrás para gerir pessoas não funciona hoje e encontrar esse equilíbrio é essencial”, aponta Priscilla Couto
O apego ao passado também é apontado por Paulo Leitner como um fator de dificuldade na implementação de novas ideias organizacionais.
Segundo ele, essa crença de maior colaboração no presencial está muito associada à forma como as pessoas enxergam o mundo e como aprenderam a colaborar entre si, no caso das lideranças atuais, a maioria com mais de 35 anos.
“A maior parte da alta liderança das empresas hoje ainda é formada por pessoas que não são nativamente digitais. Aprenderam de forma presencial, e construíram seus repertórios profissionais em um ambiente puramente físico. As gerações mais novas sentem muito menos a necessidade da presença física para colaboração, inovação, formação de vínculos e cultura”, explica.
De acordo com Priscilla, nesse momento de discussão sobre retorno ao escritório versus trabalho remoto, o RH precisa atuar como um mediador, garantindo um modelo de trabalho alinhado aos objetivos da empresa desde a contratação.
“É preciso sugerir programas para desenvolvimento das lideranças, onboarding assertivo com os colaboradores e cuidados com o clima e engajamento”, diz.
Como decidir pelo fim ou continuidade do home office?
Quais são os dados que demonstram o sucesso ou o fracasso do trabalho fora do escritório? E como calibrar isso?
Para Priscilla, é preciso antes de pensar na questão dos resultados econômicos, olhar pelo viés humano, e como retornar ao escritório vai impactar na vida das pessoas.
“Grande parte das empresas está apenas focada no lucro, no microgerenciamento, deixando de lado a qualidade de vida das pessoas”, argumenta.
Segundo a especialista em carreira, cabe nesse momento de decisão fazer um estudo para entender sobre como a produtividade será afetada com o retorno ao presencial.
Outro ponto é a expectativa dos colaboradores, uma vez que com a pandemia muitos mudaram para outros lugares e estão felizes com essa mudança, longe do local de trabalho, muitas vezes em metrópoles.
“Também é preciso avaliar os custos com benefícios de manter grandes escritórios. Será que não cabe implantar o modelo híbrido e disponibilizar vários locais alugados de atuação? E com os benefícios dados, qual seria o impacto ao retornar ao presencial? E quanto à retenção de talentos, retornar ao presencial vai aumentar os desligamentos?”, questiona Priscilla.
Paulo Leitner se mostra mais cético acerca das empresas realmente tomarem essa decisão baseada em números e pesquisas, e vê as decisões das lideranças como inflexíveis.
“Sendo muito franco, não sei se estas ponderações são muito efetivas para a tomada de decisão. No geral, não é uma decisão baseada em fatos e dados, compartilhada em colegiado pela diretoria”, diz.
E ele continua: “É uma decisão unilateral da alta liderança, quase sempre do CEO, e que no geral é top-down, baseada em crenças difíceis de serem mensuradas e que independem de argumentos pró ou contra. É, no final das contas, como o CEO entende que a empresa deveria funcionar”.
Paulo, no entanto, aconselha a monitorar os impactos para evitar turnover relevantes de pessoas-chaves para a corporação, com o acompanhamento da competitividade da empresa no mercado de contratações.
“Empresas que optam por um modelo 100% presencial, por exemplo, acabam sentindo uma inflação salarial bem acelerada, bem como um turnover mais acentuado e uma menor satisfação geral das equipes”, aponta.
E a nova geração? Vai aceitar esse retorno?
Qualquer análise sobre questões que abordam o mercado de trabalho nos próximos anos precisa levar em consideração as peculiaridades de quem deverá ser parte importante no ambiente corporativo.
Assim, saber o que pensam profissionais Millenials (1981 -1996) e da Geração Z (1997-2010) sobre a relevância do home office deve ser algo indispensável para que as lideranças tomem essa decisão estratégica.
É importante frisar, por exemplo, que a expectativa é que os profissionais da Geração Z representem cerca de 27% da força de trabalho global em 2025.
“As pessoas já estão com suas vidas e atividades adaptadas ao home office, e mudar isso será desconfortável, gerando o pensamento de escolhas, já que flexibilidade e bem-estar são valores buscados e decisivos pelos profissionais”, explica Priscilla Couto.
De acordo com a especialista em carreira, dados mostram que a GenZ e os Millennials priorizam qualidade de vida, autonomia e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
“Uma pesquisa da McKinsey revelou que 87% dos trabalhadores desejam flexibilidade no trabalho, e um estudo da Microsoft indicou que 50% dos profissionais consideram mudar de emprego se o modelo híbrido ou remoto não for oferecido”.
Paulo Leitner também acredita que as novas gerações não vão se dobrar facilmente a empresas onde há uma certa rigidez relacionada ao trabalho remoto.
“Sem sombra de dúvidas acredito que impacta na retenção de talentos. Não é de hoje que os profissionais mais capacitados têm uma empregabilidade melhor e, portanto, mais chances de poder escolher onde e como irão trabalhar”, admite.
Para o profissional da Voiss, com o aumento da importância do bem-estar e saúde mental na “Pirâmide de Maslow empregatícia”, empresas que oferecem flexibilidade e possibilidades remotas se tornarão mais desejáveis para estes profissionais.
“Para as empresas presenciais restarão os profissionais menos qualificados ou terão que pagar mais para terem os melhores”, adverte.
Quanto a mais? “Isso as pesquisas salariais poderão nos contar ao longo do tempo. Mas acredito que, assim como aconteceu com a assistência médica, empresas que não oferecerem flexibilidade estarão rapidamente fora da competição pelos melhores talentos”, completa Paulo.
Segundo Priscilla, para reduzir as possibilidades de perder os novos talentos, as organizações devem:
- Adotar um modelo híbrido convidando equipes a trabalharem em dias alternados;
- Investir em benefícios que apoiem o bem-estar;
- Reforçar a cultura organizacional além do espaço físico, criando conexões entre os times, investindo na comunicação e no desenvolvimento de lideranças para gerir melhor as pessoas.

“No final das contas, o que está em jogo não é ‘presencial x remoto’, mas como as empresas estão se adaptando às novas formas de trabalhar sem perder competitividade. Quem entender isso, sai na frente na atração e retenção de talentos”, aponta Priscilla Couto, especialista em Carreira & Liderança Femininas
A adaptação dos escritórios: como fazer?
Com as restrições de muitas empresas em relação ao trabalho remoto de seus colaboradores, os escritórios físicos passam a ter novamente uma função imprescindível.
Mas será que uma reconfiguração desses lugares pode ser um ponto positivo nessas longas horas entre planilhas e demandas?
O escritório do futuro, avalia Priscilla, não pode ser apenas um local onde as pessoas vão para sentar na frente de um computador, “mas sim um ambiente saudável, para trabalho e trocas de ideias de uma forma mais colaborativa, com menos reuniões, focado na integração das pessoas”.
Paulo, por outro lado, vê certas medidas de reestruturação dos escritórios como paliativas, e que é preciso realmente pensar na compensação salarial para que valha a pena o deslocamento diário da equipe até a sede da empresa.
“Ter um escritório bacana sempre foi algo importante, mesmo antes de experimentarmos o home office. Mas não acredito que ter um lugar para se deitar depois do almoço ou um cantinho para uma leitura mais descompromissada compense todo o desgaste que os colaboradores têm com deslocamento, principalmente em cidades grandes”, alerta.
“Ao final do dia, o escritório pode contar com todas as amenidades mais modernas, mas o colaborador sempre irá fazer a conta do quanto ele está gastando para ir para o escritório. Ou seja: a conversa volta a ser sobre salário, e o quanto a mais tem que ser pago para manter o time presencialmente”, complementa.
Gostou do nosso conteúdo? Assine a newsletter Tudo RH, no LinkedIn da Alelo, e fique por dentro das tendências do mercado de desenvolvimento humano, benefícios e inovação em Recursos Humanos.