Instagram, Facebook, X (antigo Twitter), WhatsApp, Tik Tok, LinkedIn e tantas outras redes sociais são o grande sucesso da internet.

Elas fazem parte do dia a dia de 5,04 bilhões de pessoas no mundo inteiro, segundo pesquisa da Kepios, consultoria especializada em análises sobre o uso dos meios digitais. Isso significa que 62,3% da população global acessa regularmente as plataformas.

Ao mesmo tempo que são fundamentais hoje em dia para a interação entre as pessoas, consumo de entretenimento, acompanhamento das notícias e networking profissional, as redes sociais se transformaram “em uma armadilha”, como foi dito certa vez pelo sociólogo Zygmunt Bauman. 

Mais do que postar conteúdo, curtir comentários ou compartilhar informações, o mau uso das redes sociais envolve práticas detestáveis no offline, mas que na vida digital das telas de computadores e smartphones, viram práticas recorrentes, como:

  • Espalhar fake news, teorias conspiratórias ou conteúdos manipulados;
  • Praticar ciberbullyng e assédio;
  • Postar conteúdo ofensivo, preconceituoso e violento;
  • Participar de brigas e discussões públicas de forma desrespeitosa;
  • Expor assuntos confidenciais.

E quando o uso incorreto das redes sociais por parte de um trabalhador bate lá nos Recursos Humanos? Como reagir à superexposição de um colaborador em alguma plataforma digital? Há a possibilidade de demissão nesses casos?

Para entender melhor quando e como o RH deve agir em casos em que a liberdade da opinião ultrapassa o bom senso e a sensatez, a gente conversou com profissionais de gestão de pessoas e de direito trabalhista.

Bora lá?

Quais são os comportamentos em redes sociais que mais geram conflitos entre colaboradores e empresas?

Muitas atividades e atitudes podem ser entendidas como “mau uso das redes sociais”. Mas quais seriam esses comportamentos responsáveis por gerar conflitos entre colaboradores e o empregador?

Segundo Sophia Marins, especialista em marketing de influência e cofounder da Your Club, conflitos geralmente surgem quando o colaborador publica algo que vai contra a cultura ou os valores da empresa. Isso inclui condutas antiéticas, criminosas, comentários racistas, preconceituosos ou desrespeitosos, pois “a internet não é terra sem lei”.

A CEO da F. Lead, Roberta Rosenburg, especialista em capacitação e desenvolvimento de liderança, traz uma lista com os comportamentos online de colaboradores que podem gerar impacto negativo:

  • Compartilhar dados confidenciais da empresa e/ou informações sensíveis sem autorização;
  • Postar críticas negativas sobre a empresa, líderes ou colegas de trabalho em plataformas públicas;
  • Postar conteúdos inadequados, ofensivos e discriminatórios;
  • Usar redes sociais de maneira excessiva, comprometendo a produtividade e a eficiência;
  • Participar ou tolerar bullying, discriminação ou assédio online, seja em grupos privados ou públicos;
  • Ignorar políticas claras de uso das redes sociais, como proibições de divulgar assuntos internos ou de comentar sobre a empresa de forma pública.

“Outro problema pouco falado é quando o colaborador usa as redes sociais para promover serviços ou produtos pessoais que competem com a empresa ou que estejam em desacordo com os interesses corporativos. Estas práticas podem ser percebidas como um conflito de interesses, prejudicando a relação de confiança”, aponta Roberta. 

Pode haver demissão em casos de mau uso das redes sociais?

A possibilidade de penalidades, como: advertências, suspensões ou demissões por justa causa em se tratando do mau uso das redes sociais é um tema bastante complexo dentro do debate jurídico brasileiro.

“Contudo o entendimento tem prevalecido no sentido de que pode ser aplicado até mesmo uma justa causa no empregado quando este extrapola a sua liberdade de expressão, fazendo comentários ofensivos desabonadores contra a sua empresa”, alerta a advogada trabalhista Antonia Ximenes

Em relação ao entendimento do RH, a demissão deve ser sempre a última alternativa, mas não está fora de questão, principalmente em questões de insubordinação. 

O primeiro passo, explica a CEO da F. Lead, é o RH validar que fez a sua parte, ou seja, que deixou claro para os colaboradores em ações de divulgação ou contrato assinado sobre as regras da empresa. Se todos têm este conhecimento, é preciso chamar o colaborador para uma conversa, perguntar sobre o conhecimento e impacto de sua ação para a empresa.

“Dependendo da gravidade da situação, o RH deve dar um feedback e recomendar, junto com o gestor direto, que não aconteça mais. Porém, dependendo da situação, pode ser possível demissão”, ressalta Roberta. 

A vida privada do colaborador precisa ser respeitada

Um dos pontos mais questionados sobre o mau uso de redes sociais é como conseguir diferenciar o que é parte da vida privada do indivíduo e o que diz respeito ao empregador. Esse limite existe?

E quando a informação é vazada mesmo tendo sido colocada para um número restrito de pessoas, como é feito nas postagens selecionadas do Instagram, ou em uma troca de mensagens pelo WhatsApp: ela pode ser usada contra o emissor?

Roberta Rosenburg acredita que por meio de regras claras na empresa sobre uso de redes sociais, é preciso deixar evidente o que é a vida privada e o que é a vida profissional no âmbito online. 

“Vale lembrar que sempre será uma escolha do colaborador concordar e conviver com as diretrizes vigentes”, diz.

Já para Sophia Marins, o comportamento digital está intrinsecamente ligado à imagem de qualquer pessoa. Assim, é essencial o RH avaliar se as postagens do colaborador estão em desacordo com a cultura da empresa ou se envolvem algo criminoso, como racismo, gordofobia ou discursos de ódio.

“Comentários desse tipo não apenas prejudicam a imagem do colaborador, mas podem também impactar negativamente a reputação da empresa. No entanto, quando o conteúdo não tem ligação direta com a organização ou não representa atitudes ofensivas, deve ser considerado parte da vida privada do colaborador”, argumenta. 

A advogada Antonia Ximenes toca ainda em outro tema conflitante: até que ponto é permitido fiscalizar as redes sociais de um empregado?

Segundo ela, o monitoramento é vedado devido aos direitos à privacidade e à intimidade, o que não vale quando esse empregado tem redes sociais corporativas, como é o caso do perfil do LinkedIn.

Mas mesmo no uso das redes sociais pessoais, o trabalhador precisa estar atento, uma vez que certas posições podem prejudicá-lo, mesmo que o objetivo do perfil seja o contato com familiares e amigos próximos. 

Para que o empregado se proteja de possíveis problemas com a empresa em se tratando do uso das redes sociais, Antonia sugere algumas práticas.

“O empregado deve evitar sempre o uso das redes sociais particulares em aparelhos corporativos, bem como passar muito tempo nas redes, prejudicando sua produtividade, sobrecarregando os demais colegas”, pontua.

Mediação de problemas surgidos entre colegas após mau uso da rede social

Além de possíveis críticas à empresa, as redes sociais também podem trazer à tona conflitos internos entre colegas de trabalho. E mesmo que isso não cause uma demissão, desaprovar ou questionar outro membro da equipe com certeza vai gerar um péssimo clima.

Deter essa questão logo de início, antes que se transforme em algo habitual e deixe o ambiente tóxico com profissionais inflexíveis, é importante para a valorização dos comportamentos promovidos internamente pela cultura organizacional.

Também pode haver um sentimento de falta de controle ou profissionalismo dentro da organização, resultando em prejuízo de questões como saúde mental dos colaboradores e perda de engajamento, afetando ações de desenvolvimento profissional e o employee experience

Segundo Sophia, o primeiro passo é entender o contexto. A publicação foi ofensiva, preconceituosa, criminosa ou desrespeitosa? Se a resposta for sim, a melhor abordagem é uma conversa inicial com o colaborador para tratar o caso como uma advertência formal, buscando mediar o conflito.

“No entanto, se o conteúdo expressa apenas uma opinião divergente, sem desrespeito ou ataque, não é necessário tomar nenhuma ação, pois opiniões diferentes são naturais e não devem ser suprimidas. O objetivo é manter um ambiente respeitoso, sem interferir indevidamente nas liberdades individuais”, argumenta.

Para Roberta Rosenburg, o RH pode intervir mediando uma conversa entre as partes, além de oferecer cursos e workshops sobre ética, com o letramento para a melhor utilização das redes sociais. Se a relação afetada for com o líder direto da pessoa, é necessário mediar uma reconciliação. 

“Em todos os casos, o RH sempre deve garantir que as regras de uso de redes sociais sejam de conhecimento de todos”, coloca. 

Sobre diferenças geracionais existentes dentro das empresas hoje em dia e os abismos que isso provoca entre os colaboradores, Sophia Marins explica que isso torna o alinhamento ainda mais desafiador.

“A melhor forma de dialogar é implementar treinamentos contínuos e produzir materiais, como cartilhas, que apresentem o que é considerado comportamento adequado e inadequado. Esses recursos devem ser acessíveis e adaptáveis para dialogar com diferentes faixas etárias e níveis de familiaridade com a tecnologia”, afirma.

É preciso garantir que as ações disciplinares estejam alinhadas às legislações trabalhistas

Para garantir que as ações disciplinares estejam alinhadas ao que está na legislação trabalhista brasileira, a CLT, o RH deve adotar práticas cuidadosas, claras e bem fundamentadas, respeitando os direitos dos colaboradores e evitando possíveis passivos legais para a empresa, por meio de um manual de ética.

“As grandes corporações já se utilizam desse poderoso instrumento. Estabelecer um código de conduta pode evitar muitos problemas para o empresário, bem como para o empregado que pode até mesmo ser penalizado com uma demissão por justa causa”, afirma a advogada trabalhista Antonia Ximenes.

Para deixar esse regulamento interno em vigor, é preciso ter conhecimento e estar atualizado constantemente sobre a legislação trabalhista, incluindo alterações e novas normas que possam afetar as ações disciplinares.

Vale lembrar, ainda, que as ações disciplinares devem ser proporcionais à gravidade da infração cometida, respeitando o princípio da gradualidade (advertência, suspensão e, em casos mais graves, demissão por justa causa), salvo em casos de infrações muito graves. 

“É crucial que o RH documente todos os incidentes e ações disciplinares de forma clara e detalhada, incluindo o histórico de infrações, as conversas realizadas com o colaborador e as medidas tomadas. Também é preciso manter um registro formal de todas as advertências, suspensões e outras ações, incluindo datas, motivos, assinaturas do colaborador (confirmando o recebimento das advertências) e qualquer justificativa ou defesa apresentada”, adverte Roberta Rosenberg, da F. Lead. 

Além disso, é preciso garantir o direito de defesa do colaborador antes de aplicar qualquer penalidade, especialmente em casos de demissão por justa causa.

“O colaborador deve ser informado das alegações contra ele e ter a oportunidade de se manifestar. Por exemplo: se um colaborador for acusado de uma infração grave, como comportamento abusivo ou desrespeito à política de segurança, ele deve ser convocado para uma reunião de defesa, onde pode apresentar sua versão dos fatos”, diz Roberta.

Outros pontos importantes alertados por ela em possíveis ações disciplinares são: 

  • O RH deve garantir que a medida disciplinar seja aplicada com base em fatos concretos e não por motivação pessoal ou preconceito;
  • A investigação precisa ser conduzida de maneira neutra, ouvindo todas as partes envolvidas, para que qualquer ação seja baseada em evidências claras e justas;
  • As ações disciplinares não podem ser discriminatórias ou violar direitos trabalhistas fundamentais;
  • É fundamental evitar práticas que possam ser interpretadas como assédio moral ou abuso de poder;
  • Não se pode aplicar penalidades para comportamentos relacionados à orientação sexual, religião, gênero, entre outros aspectos que envolvem direitos fundamentais do trabalhador.

“A CLT especifica comportamentos que podem justificar a demissão por justa causa, e esses critérios devem ser seguidos rigorosamente. Portanto, para uma infração leve, como uma discussão não agressiva entre colegas, uma advertência ou suspensão é mais apropriada. No entanto, em casos de desonestidade ou assédio, a demissão por justa causa pode ser justificada”, ressalta a CEO da F. Lead. 

Roberta adverte, ainda, a necessidade de manter canais de comunicação eficazes para que os colaboradores saibam o que é esperado deles e o que pode resultar em ações disciplinares, com feedbacks contínuos e revisões periódicas do código de conduta.

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